Fazer frente à liquidez e valorização da soja e do arroz na disputa por áreas produtivas impõe à pecuária da Metade Sul do Rio Grande do Sul o desafio de elevar eficiência e produtividade. Nesse projeto, o grande trunfo dos pecuaristas da região vem sendo o investimento pesado em sistemas de pastagens de alto desempenho que garantam oferta de alimento abundante e ganho de peso diferenciado ao gado. “Temos que ver a agricultura como concorrente forte. E que isso nos sirva de motivação para produzir mais e com mais foco”, pontuou a professora da UFSM Luciana Potter, que palestrou durante Encontro de Produtores Angus, realizado nos dias 14 e 15 de setembro no Rio Grande do Sul.
Em muitos casos, agricultura e criação de Angus vêm andando juntas em sistemas rotacionados que garantem preservação do solo e lucro no bolso. É o caso da Estância Tradição, em Santa Vitória do Palmar (RS), por onde passaram mais de 200 pecuaristas que participaram do dia de campo na sexta-feira (14/09). A área, atualmente com rica pastagem de azevém e trevo, trabalha com genética de gado rústico Angus e lavouras de arroz. A oferta de comida disponível aos animais e a conformação “carniceira” dos reprodutores impressionaram – um trabalho realizado com apoio do consultor Sérgio Faulstich. Segundo ele, o segredo é garantir adubação eficiente e trabalhar com manejo extensivo com uso de potreiros grandes de 50 a 100 hectares, sistema que ajuda a atingir um nível de 300 quilos de carne por hectare/ano. Ele lembra a importância de fazer as contas na hora de investir: um quilo de boi compra 3,6 quilos de adubo e para produzir um quilo de carne, em média, se precisa de 1,5 quilos de adubo. “A maior renda ainda é obtida pela agricultura. Para se ter uma receita equivalente com a pecuária é preciso que seja bem mais intensificada. A grande vantagem da pecuária é que se tem uma boa taxa de rentabilidade sobre um capital investido bem menor”, pontuou. E exemplificou: enquanto se gasta em torno de R$ 500,00 para produzir um hectare de boa pastagem, o investimento para uma lavoura de arroz chega a R$ 6 mil. “A agricultura deixa 20% de lucro sobre R$ 6 mil e a pecuária deixa 60% sobre um capital menor.”
Apaixonado pela genética que tem nos campos da Estância Tradição, Rogério Rotta Assis, conhecido entre os amigos como Palhinha, garante que trabalhar com seleção exige esforço, análise de indexadores e persistência para avaliar erros e acertos. “Aqui produzimos animais que nos agradem. O objetivo é produzir carne”, pontuou o criador que se orgulha de um rebanho robusto com alto potencial para produção de carne. Ele destaca que a seleção leva em conta o uso de indexadores disponíveis pelo Promebo sempre atentando para animais melhoradores, mas garante: “Não se faz genética sem comida.”
Poucos quilômetros em direção a Rio Grande (RS), outra propriedade que se destaca pelo manejo de grandes áreas de pastagens cultivadas em consórcio com a produção de soja e arroz é a Granja 4 Irmãos. A área de 24 mil hectares tem rebanho de 3,6 mil animais Angus, sendo 2 mil vacas em reprodução em ciclo completo. Os 3 mil hectares de pastagens cultivadas coexistem com lavouras de 6,5 mil hectares de arroz e 2,6 mil hectares de soja. Segundo o gerente da pecuária de corte da Granja 4 Irmãos, Anderson Pueblo, o objetivo da propriedade é investir em carne de qualidade, mas também agregar valor à agricultura. “A pecuária hoje também é uma forma de melhorar as áreas para o arroz com a rotação”, ressalta.
Segundo ele, os acasalamentos serão realizados a partir dos 14 meses por até três crias com objetivo de deixar 300 quilos/fêmea/ano. O rendimento médio de carcaça da estância obtido no gancho é de 53% e entre as metas da Granja 4 Irmãos está o lançamento de uma marca de carnes que levará o selo de origem da propriedade.
Suplementação: sim ou não?
Um dos temas de debate do Encontro de Produtores Angus foi exatamente a necessidade de suplementação nutricional dos animais criados a pasto. A professora da UFSM Luciana Potter falou sobre o conceito de “Efeito Memória” ao defender a suplementação de terneiros que, segundo ela, aprendem a alimentar-se nos cochos, o que colabora para ter animais adultos mais mansos. “Suplementado esses animais quando jovem eles não esquecem mais.” Além disso, pontua que isso permite avaliar os índices de resposta dos terneiros e investir em nutrição diferenciada naqueles que dão maior retorno. “Foi-se o tempo que o pasto não custava. Podemos e devemos suplementar”, disse ela destacando que muitas vezes pequenos percentuais já são suficientes para trazer resultado. As melhores respostas individuais, informa, ficam entre 0,8% e 1% do peso corporal.
Atuando junto ao Grupo de Pesquisa Pastos&Suplementos da universidade, Luciana apresentou dados de pesquisa implementada pela UFSM para avaliar o ganho médio de peso em diferentes sistemas usando pastagens de azevém, aveia e trevo. Também apresentou indexadores que traçam as diferenças na gestão nutricional de gado em 12 e 24 meses. No primeiro, alerta ela, a viabilidade passa por elevar o peso no desmame dos terneiros, o que reduz a obrigação de grande ganho de peso em períodos fora das pastagens cultivadas.