O leite por ser um produto nobre da nossa alimentação, seja integral ou através dos seus derivados, interessa a todos, do produtor ao consumidor. Porém quem realmente vive e conhece a atividade, observa com espanto muitas coisas que acontecem. Um exemplo disto é o Rio Grande do Sul, grande produtor de leite com cerca de 12 milhões de litros por dia, mas só consome aqui no Estado em torno de 40% desta produção e mesmo assim é um dos Estados da União que mais importa leite. Assim sendo é natural que façamos a primeira indagação, será que o Estado, a indústria, capacitou-se para o mercado externo, ou continua sendo uma operação de guerra para conseguir tirar o produto da região? Como pode o nosso produtor entender esta lógica?
De um lado, as autoridades político-administrativas e muitas indústrias incentivando a produção e nos informando que a planta industrial do Estado tem capacidade para receber cerca de 18 milhões de litros por dia, do outro lado o laticínio nos remunerando pouco, alegando que tem muito leite no mercado. O que fizeram as autoridades e a indústria para tirar este leite do Estado e do país? Ficamos totalmente dependente do mercado interno, principalmente dos Estados do Sudeste, e isto nos torna muito vulneráveis do ponto de vista de mercado a médio e longo prazo.
O produtor, rapidamente, teve que fazer uma série de ajustes e investimentos na propriedade para se adequar às normas corretas para a produção leiteira. Será que a indústria e autoridades estão também, nesta velocidade, se adequando ao mercado internacional? Observamos que muitas nem investem em leite em pó, carro chefe de exportação do setor. Alegam que gera pouco lucro. Por sua vez o produtor entrega o seu produto muitas vezes sem lucro nenhum e não tem força para mudar o cenário.
Entendemos e apoiamos totalmente que o produtor deve produzir leite de qualidade, e que sanidade do rebanho é questão primordial de quem quer permanecer na atividade, quem não entender isto, automaticamente está fora da atividade. Também sabemos que o mercado é controlado por oferta e procura, mas como produtor fica muito difícil de entender sempre a mesma desculpa, tem muito leite no mercado, mas quando nos informamos um pouco, causa espanto vermos que somos importadores e que poucas ações concretas são feitas para reverter esta situação.
Muitas entidades discutem a cadeia leiteira, mas da porteira para dentro. O produtor sente pouca repercussão positiva para o seu negócio, assim como poucas ações concretas, palpáveis e, muitas vezes, está mesmo desamparado. Não falamos apenas na questão de preço pago pelo litro entregue à indústria e sim de uma assistência que envolva apoio técnico, contábil e jurídico para o desenvolvimento da atividade. Quanto à remuneração, é histórico que o produtor de leite não vende o seu produto, ele apenas entrega e 30 a 45 dias depois saberá o quanto vai receber, pois o administrador de laticínio é um dos únicos profissionais que tem a primazia de determinar o preço que pagará pela sua matéria prima, podendo assim, até mesmo, corrigir alguns equívocos administrativos que tenha cometido. Nenhuma categoria consegue sobreviver numa atividade em que não possa auferir ao menos um pequeno lucro. Mas como estamos tratando de atividade muito complexa é fundamental a assistência e suporte ao nosso produtor em diferentes escalas, conforme a necessidade. Assim sendo, entidades e indústrias, geralmente cooperativas, que prestam uma assistência e fomento ao produtor, merecem a fidelidade do mesmo, pois o planejamento e planilha de custos bem elaborada permitem uma melhor compreensão da atividade, facilitando ajustes que possam melhorar o retorno financeiro.
Percebemos que temos muitos debates, muitas coisas são discutidas e o tempo passa e estamos sempre em volta das mesmas questões e o produtor continua sendo a ponta mais vulnerável da cadeia. Sem dúvida uma cadeia produtiva atende pelas normas do mercado, mas temos que estar mais preparados para poder usufruir deste negócio e equilibrar o setor, onde todos os componentes possam tirar a sua subsistência, do produtor ao consumidor final. Cada qual deve executar as suas funções com excelência, ao produtor cabe ter um rebanho com sanidade e produzir leite de alta qualidade, já o transportador deve chegar com o produto nas condições ideais na indústria, e esta deve certificar-se da qualidade do produto que recebe e elaborar produtos que agreguem valor e que tenham mercado regional, nacional e internacional.
Aos órgãos de fiscalização cabe a oficialidade da qualidade do produto facilitando a abertura de novos mercados. Espera-se que as autoridades político-administrativas ajudem na abertura de novos mercados e controle sobre as importações, que muitas vezes geram uma disputa altamente desequilibrada com o produtor local.
Marcos Tang é presidente da GADOLANDO, proprietário da Granja Tang, de Farroupilha, uma referência na criação nesta raça de gado leiteiro no Rio Grande do Sul. É formado em medicina pela Universidade de Caxias do Sul, e atua na Santa Casa de Misericórdia e no Hospital Moinhos de Vento.