Uma reportagem pode ter sido a peça-chave do quebra-cabeças que vem tirando o sono da polícia gaúcha nos últimos meses. A segunda testemunha do caso das crianças esquartejadas em Novo Hamburgo apenas procurou a polícia após ler sobre o caso em um jornal. Sem se dar conta de que a movimentação que havia notado em 4 de setembro, no bairro Lomba Grande, em Novo Hamburgo, era uma ação criminosa, apenas associou o fato ao caso policial tempos depois, ao ver a matéria divulgada na imprensa.
O delegado Roberto Baggio, responsável pelo caso, tratou o fato como um paradoxo: “é fato que, muitas vezes, o vazamento do inquérito para a imprensa atrapalha as investigações, mas nesse caso, foi fundamental para que se chegasse a essa testemunha”, afirmou. Além disso, ele ressaltou que não descarta a possibilidade de que novos elementos possam surgir a partir disso, já que “outras pessoas que podem ter presenciado algo relacionado ao crime também podem ser alertadas pelas reportagens”. Entretanto, deixou claro que há elementos cruciais no inquérito e que são tratados de forma sigilosa, ponderando que “está sendo transparente na medida do possível”.
A testemunha que buscou a polícia através da reportagem apontou dois indícios importantes: viu um dos suspeitos no local do crime meses após o fato e observou a presença de uma caminhonete vermelha junto aos suspeitos no local em que os corpos foram encontrados. Esse fato levou a polícia a buscar os veículos de todos os envolvidos arrolados até agora, e culminou com a identificação da venda de um carro com essas características a uma terceira pessoa, sem relação com as mortes. A caminhonete já foi apreendida e encaminhada para perícia.
O delegado reforça, ainda assim, que a presença da prova material é dificultada pela questão temporal: “se eu tenho um crime hoje, em poucas horas eu estou na cena. Esse caso ocorreu há meses, e isso dificulta muito o trabalho”. No entanto, o IGP trabalha com uma série de objetos apreendidos, na busca por indícios que comprovem definitivamente a atuação dos quatro presos e dos três foragidos identificados até agora como suspeitos das mortes. “Nunca recolhi tantas provas para um mesmo caso em toda minha vida profissional”, acrescentou o delegado, que ainda mencionou a necessidade de paciência em casos como esse.
Ainda sobre a segunda testemunha ouvida no caso, pesa contra os acusados o fato de dois deles terem sido reconhecidos como os responsáveis por deixar caixas e sacolas no local em que as crianças foram encontradas esquartejadas. A pessoa que observou a cena não sabia, na ocasião, o que havia dentro desses volumes, mas associou os fatos após a leitura de reportagem na imprensa. Assim, ao ser confrontada com os suspeitos, apontou dois deles como os responsáveis pelo descarte – e também pela caminhonete vermelha.
O fato de um dos suspeitos ter sido visto no dia 9 de dezembro no local onde os corpos foram deixados é outro indício considerado como elementar nas investigações. Baggio reforça que o homem alegou “ter ido defecar” na região, para justificar a presença na área. Entretanto, a casa dele ficava a poucos metros do terreno, desfazendo a justificativa. “Tudo converge para o que está sendo apontado”, alegou Baggio. Ele ainda constatou que “todos os indícios convergem contra os acusados, e que (os delegados) não seriam irresponsáveis de pedir a prisão se não houvesse condições para tal”.
Nos últimos dias, o inquérito foi mantido em sigilo, para não prejudicar as diligências. A escavação e uso de cães farejadores no templo em que supostamente as crianças foram sacrificadas não encontrou nada além de ossos inicialmente analisados como sendo de animais: “mas eles vão para perícia, para tirar a prova”. Testes com luminol, substância que identifica a presença de sangue mesmo após higienização, também já estão em posse do IGP.
O que se sabe sobre o caso
Até agora, a polícia confirmou que as vítimas esquartejadas são duas crianças – uma menina e um menino -, com idades entre 10 e 12 anos, filhos da mesma mãe mas de pais diferentes. Há a suspeita de que tenham sido trazidas da Argentina, e trocadas por um caminhão. No inquérito, testemunhas dizem que elas foram executadas durante um ritual de magia negra praticada pelo bruxo Silvio Rodrigues Fernandes, responsável pelo Templo de Lúcifer, em Gravataí.
Estão presos o próprio Silvio, e três suspeitos de encomendarem o ritual: Jair da Silva, Andrei Jorge da Silva, filho de Jair e Márcio Miranda Brustolin, suspeito de ter participado do ritual. São procuradas outras três pessoas: Anderson da Silva, outro filho de Jair, Jorge Adrian Alves, argentino suspeito de ter trazido as crianças do país vizinho e Paulo Ademir Norbert da Silva, suspeito de ter encomendado o ritual com Jair. Eles podem ter pago R$ 25 mil, mais o preço do caminhão, pelo crime.
Os corpos foram encontrados em 4 de setembro de 2017 em um sítio no bairro Lomba Grande, em Novo Hamburgo, o que leva a polícia a acreditar que as mortes tenham ocorrido no dia anterior.