O Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar nesta semana o julgamento sobre a responsabilização das plataformas digitais por conteúdos ilícitos publicados pelos usuários. Neste sábado, em Porto Alegre, o presidente da Suprema Corte defendeu que as redes sociais atuem para que seus algoritmos estejam programados para remover determinados conteúdos antes que eles cheguem ao grande público.
“Alguns conteúdos não podem chegar ao espaço público. O algoritmo tem que ser programado para que não chegue ao espaço público. Pornografia infantil, terrorismo, tráfico humano… qualquer pessoa razoável, não importa se for conservador, liberal ou progressista, vai concordar que não deve ter na rede. Nesses casos, o algoritmo deve ser programado para removê-lo” afirmou o ministro Luís Roberto Barroso, sentindo-se à vontade para opinar por já ter realizado seu voto no processo.
Barroso, que também preside o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), elogia a atual legislação sobre o tema, mas acredita que ela deve acompanhar a evolução da tecnologia. “O Marco Civil da Internet determina que as plataformas digitais só devem ser responsabilizadas se, depois de uma ordem judicial, não removerem o conteúdo. A regra geral é boa, porém o mundo avançou após o marco. As redes sociais ocuparam espaços. Proponho uma segunda regra: no caso de crime, ou instigação ao crime, o conteúdo deve ser retirado mediante notificação privada. Não precisa de notificação judicial. Se tiver uma postagem com instigação a suicídio de menores… uma vez comunicado deste fato, deve remover”, declarou.
O presidente do STF ainda defendeu a premissa do tribunal para tratar sobre o tema no pleno da corte. “O Supremo não está legislando, ele está estabelecendo quais critérios irá utilizar quando essas matérias chegarem lá, até que o Poder Legislativo legisle”, afirmou. Segundo ele, a própria natureza da Constituição Federal de 1988 dá responsabilidade ao Judiciário para avançar em temáticas que, ao redor do mundo, são restritas à política.
“A Constituição brasileira cuida do sistema de seguridade social, do sistema orçamentário, do sistema tributário, do sistema de saúde público, do sistema de proteção às comunidades indígenas, da comunicação social, da proteção da família, da mineração, da proteção ambiental. Todos esses temas, na maior parte do mundo, são temas deixados para a política e para a legislação. Quando você traz um tema para a Constituição, de alguma maneira, você o tira da política e o traz para o direito. Se está na Constituição é uma norma e, se é uma norma, ela serve de fundamento para preclusões que são apresentadas diante do Poder Judiciário”, disse o ministro.
“Essa característica da Constituição brasileira faz com que seja mais difícil traçar a fronteira precisa entre o direito e a política no Brasil”, sintetizou.
Barroso: política não é incentivada a evitar mudanças climáticas
Barroso esteve em Porto Alegre neste sábado para palestra durante o Festival Fronteira. A atividade, que abordou ainda “os desafios do Judiciário para enfrentar as ações decorrentes dos desastres climáticos”, foi realizada no Auditório Osvaldo Stefanello, do Palácio da Justiça, situado na Praça da Matriz.
Sobre o assunto principal da palestra, demonstrou preocupação com o negacionismo, que, de acordo com o que pensa o ministro, precisa ser enfrentado. Ele também vê, na própria política, ausência de incentivos para frear as mudanças climáticas que provocam alerta no planeta Terra.
“As agressões ambientais, as emissões de carbono que se fazem hoje, só vão produzir seus efeitos daqui a 25, 50 anos. Os impactos saltam uma geração. Portanto, não existem os incentivos adequados para a política, de uma maneira geral, intervir nessa área. A política, por razões compreensíveis, se move por objetivos de curto prazo, que são os ciclos eleitorais”, opina.
Por mais que a atenção mundial esteja voltada para a emergência ambiental, Barroso demonstra preocupação com o descumprimento das nações, entre elas o Brasil, de tratados previamente assinados.
“Os grandes países do mundo não estão cumprindo os compromissos que eles próprios assinaram. Existem três grandes documentos globais: a Convenção-Quadro, de 1994, o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris, assinado por 196 países. O Brasil tem o compromisso de reduzir as emissões em 48% até 2025, em 53% até 2030, alcançar a neutralidade climática até 2050 e desmatamento zero até 2030. Esse foi o compromisso que assumimos. Hoje, já se considera que esses compromissos são insuficientes.”