O advogado suspeito de liderar um esquema de fraudes que movimentou R$ 50 milhões no Rio Grande do Sul está proibido de sair do Brasil. A ordem, anunciada neste sábado, foi estabelecida por decisão da Justiça. De acordo com a Polícia Civil, há um mandado de prisão preventiva contra o homem, que está foragido.
Na última quinta-feira, o advogado foi o principal alvo da Operação Malus Doctor, sob o comando da 2º DP de Porto Alegre. Ele não foi localizado na data porque estava em São Paulo, porém, ainda havia expectativas que ele se apresentasse às autoridades na Capital, o que não ocorreu.
Conforme o delegado Vinicius Nahan, titular da 2º DP, a proibição de sair do país foi determinada porque há risco concreto de fuga. A medida também resultou na inclusão do advogado no sistema de alerta da Polícia Federal.
“O impedimento de se ausentar do país significa que o suspeito não pode deixar o território nacional por nenhum meio, seja aéreo, terrestre ou marítimo. Fizemos a comunicação do caso à Polícia Federal e houve a inclusão do nome dele no sistema nacional de alerta e em postos de controle migratório de portos, aeroportos e fronteiras”, afirma Vinicius Nahan.
Ainda segundo titular da 2º DP, o advogado seria líder de um esquema fraudulento de procurações judiciais para contratar empréstimos em nome de clientes e lesar instituições financeiras. A maior parte das vítimas são idosos e pessoas aposentadas, que buscavam o escritório do suspeito na esperança de renegociar juros de empréstimos junto a instituições financeiras.
Um grupo de 14 pessoas são investigadas, sendo 9 advogados, que tiveram o exercício da advocacia suspenso. Os crimes apurados são estelionato, falsidade ideológica, falsificação de documento particular, uso de documento falso, fraude processual, patrocínio infiel, apropriação indébita e associação criminosa.
A polícia indica que os suspeitos ajuizaram mais de 145 mil ações judiciais potencialmente fraudulentas, sendo 112 mil no Rio Grande do Sul e cerca de 30 mil em São Paulo. O advogado tido como líder do grupo seria responsável por aproximadamente 47% de todas as ações movidas contra instituições bancárias no Tribunal de Justiça gaúcho.
Parte dos suspeitos abordavam pessoas em situação de vulnerabilidade com promessas de revisar judicialmente cobranças abusivas em empréstimos consignados, com honorários de 30% sobre os valores “recuperados”.
Em posse de documentos dos clientes, o advogado tido como líder ajuizava ações revisionais contra instituições financeiras. Depois, os clientes recebiam valores em suas contas e, por acreditar que isso decorria das ações, acabavam repassando parte da quantia ao escritório dos suspeitos.
Acontece que os depósitos eram oriundos de novos empréstimos, contratados sem o consentimento dos titulares. “Quando percebiam os descontos indevidos em seus benefícios previdenciários, as vítimas constatavam a fraude, porém, já não conseguiam mais contato com a empresa”, explica o delegado Vinícius Nahan.
Ações judiciais em nome de mortos e fatiamento processual
Durante as investigações, a polícia identificou diversos casos que ilustram a sistemática fraudulenta adotada pelo grupo criminoso. Em um dos episódios, foi constatado o ajuizamento de ações judiciais sem o consentimento das pessoas em nome de quem os processos foram movidos.
Uma das vítimas, por exemplo, afirmou em juízo que desconhecia a existência de mais de 30 ações protocoladas em seu nome por um dos advogados investigados.
Outro caso revelou o ajuizamento de ações em nome de pessoas já falecidas. Em uma dessas situações, a procuração apresentada nos autos continha uma assinatura da suposta outorgante meses após a morte.
Houve ainda situações em que os valores obtidos por meio de alvarás judiciais, após o cumprimento de sentença, não foram repassados aos beneficiários. Em vez disso, os recursos foram depositados diretamente em contas vinculadas ao escritório do advogado responsável pelas ações, sem qualquer prestação de contas ou retorno financeiro às vítimas.
Também foi constatado o uso sistemático de estratégias processuais que visavam o chamado “fatiamento de demandas”. Ou seja, eram ajuizadas múltiplas ações envolvendo as mesmas partes, mas tratando de contratos distintos, com a distribuição dos processos por meio de vários advogados ou em comarcas distantes do local onde as vítimas moravam.
Em um dos exemplos analisados, o juízo responsável apontou que todos os pedidos poderiam ter sido reunidos em uma única demanda, e chegou a advertir que a fragmentação intencional dos processos tinha como objetivo principal a maximização de honorários advocatícios.