
A malha ferroviária gaúcha foi tema da apresentação do vice-governador do Rio Grande do Sul Gabriel Souza na edição do Tá na Mesa desta quarta-feira, dia 16, promovido pela Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul). A reunião-almoço teve como pauta um panorama sobre a malha do Rio Grande do Sul, e também contou com a presença de Felipe Camozatto, presidente da Frente Parlamentar das Rodovias.
O vice-governador, que lidera as discussões sobre o assunto no Estado em busca de soluções do governo federal e da concessionária Rumo Logística para melhorias nas ferrovias, tratou da concessão com a empresa, que atua desde 1997 e segue até o início de 2027, e teceu críticas ao desempenho, à ausência de investimentos e a qualidade dos serviços. O presidente da Federasul, Rodrigo Souza Costa, disse em sua fala de abertura sobre a questão urgente que é tratar de ferrovias, e mostrou-se preocupado com a situação da malha que, em suas palavras, tem sido tratada com “descaso” e “desrespeito” nos últimos anos no Rio Grande do Sul.
“Nós defendemos as concessões e privatizações como forma uma ferramenta importantíssima para promover o desenvolvimento social e econômico, e para nós é especialmente doloroso quando temos uma concessão há mais de 25 anos que não atende o interesse público e às expectativas dos usuários, mas ao contrário, trata clientes como se fossem reféns de uma situação”, diz. Segundo ele, a ferrovia, que antes da tragédia climática de 2024 já se mantinha com dificuldades na operação, teve a situação mais agravada ainda, afetando a competitividade do sul do Brasil.
Gabriel Souza relatou que o governo do Estado contratou um estudo por meio da Portos RS, empresa estatal responsável pelos portos gaúchos, em especial ao Porto de Rio Grande, com a justificativa de que a interoperabilidade entre modais é fundamental para operação logística entre portos, ferrovias, rodovias e hidrovias. Segundo ele, “os números apresentados atualmente pela atual concessionária, em grande parte, não condizem com a realidade econômica e de futuro econômico do Estado do Rio Grande do Sul”, prejudicando a possibilidade de melhorias da malha ferroviária gaúcha e estendendo aos aos demais estados da malha Sul.
O estudo, feito por uma consultoria especializada, objetivou avaliar a situação da malha ferroviária da região, contrapor números equivocados ou subestimados pela concessão e apresentar possibilidades e projetos de modelagens que poderão ser levados a União Federal e à Agência Nacional de Transporte Terrestre, ANTT, com o objetivo de avançar nas melhorias futuras da malha.
Prejuízos na malha ferroviária
Apesar de reconhecer que o governo é favorável à concessão, o vice-governador afirmou que a atual concessão apresentou problemas durante a sua execução. Em 1997, iniciou-se com a antiga América Latina Logística, cuja empresa se fundiu com a Malha Sul como logística. Para Gabriel, os últimos anos contaram com falta de investimentos e de modernização dos ramais. “Os trilhos estão antigos e sem manutenção, as locomotivas, o material rodante absolutamente ultrapassados. Isso tudo fez com que nosso modal ferroviário fosse pouco atrativo, gerando lentidão e ineficiência, temos poucas linhas e ofertas de viagens”, relata.
Entre os três estados da região Sul, são 7.200 km de ferrovias, abarcando um trecho da parte sul de São Paulo. Já no território gaúcho, são 3.823 km. Antes da enchente, havia 1.680 km operacionais e, após a catástrofe, reduziu para 921 km. O estudo afirma que a enchente de 2024 trouxe impactos para diversos trechos. Foram 759 km de trechos inoperantes, com danos em quase metade da extensão ferroviária em operação no RS.
“Nós não temos mais ligação com o resto do Brasil”, diz o vice-governador. “Por puro desespero logístico, muitas vezes cargas de grãos do oeste paranaense vinham pela ferrovia até o Porto de Rio Grande, carga essa que nós estamos perdendo atualmente.”, complementou. Ele também destaca prejuízos na operação de líquidos de combustíveis, como etanol, que vinham pelo modelo ferroviário.
O estudo apontou redução de quase 50% na movimentação de cargas nas ferrovias gaúchas nos últimos 18 anos. Ainda, que apenas 2% dos fertilizantes do RS são transportados por ferrovia, mesmo sendo carga de retorno para frete de grãos, que vêm de Cruz Alta para o Porto de Rio Grande. Houve, também, queda da movimentação de contêineres e produtos siderúrgicos, que eram 12% da carga em 2013 e, agora, não são mais movimentados. Outro índice é que, em 18 anos, o modal ferroviário perdeu metade da sua velocidade operacional e, atualmente, tem a 4ª menor velocidade média no Brasil: 12 km/h.
Granéis sólidos agrícolas, como soja, farelo, milho e trigo, tiveram redução de 24% para 12% do share ferroviário no Porto de Rio Grande entre 2010 e 2023. Um mapa evidenciou a diminuição da intensidade de carga transportada por ferrovias “Ao contrário do que a Rumo diz, que nós temos teríamos apenas de 3 a 4 bilhões de toneladas de demanda de carga por ano, isso significa menos do que 10% da produção de grãos do Rio Grande do Sul”, afirma Gabriel.
“Eu desafio a Rumo Logística a provar que nós temos apenas de 3 a 4 milhões de toneladas de carga de demanda por ano no Rio Grande do Sul. Isso é um número que não é verdadeiro, é um número díspare das evidências que a economia gaúcha dispõe e entrega para o produto interno bruto brasileiro”, diz. Desde as enchentes, a movimentação de líquidos no sistema ferroviário do RS também está interrompida. Gasolina, óleo diesel e álcool representavam 97% das cargas.
Nesse cenário, o vice-governador afirmou que o Governo está estudando proposta a ser apresentada ao governo federal para uma futura eventual concessão, com o objetivo de melhorar a eficiência desses trechos e também de encurtar viagens. Em uma das variantes, a mais barata, se encurtaria o trecho do trajeto de Santa Maria direto a São Gabriel.
“Nós estamos aqui avaliando cenários alternativos para contemplar revitalizações, novos terminais e variantes ferroviárias nesse estudo. Estamos muito convictos que tem que ter uma interoperabilidade entre o modal rodoviário, ferroviário e portuário, na medida em que curtas distâncias podem ser utilizados pelo modal rodoviário. Mas naturalmente, para que o modal ferroviário gaúcho possa sobreviver nos próximos anos, precisamos ter investimentos”, disse.
Ele reforçou que, para que os cenários apresentem viabilidade financeira, é necessário o abatimento da indenização devida pela eventual devolução onerosa de trechos. Ele explica que a concessionária não deve devolver trechos não utilizados pela União, precisa pagar pela devolução, e que, até 2022, nunca havia tido uma devolução onerosa desde as concessões da década de 90.
Entre os cenários de investimento para o modal, Gabriel destaca um contrato que envolveria 8 bilhões e 700 mil de investimento (em CapEx) com valor global de 31 bilhões de reais em concessão de 30 anos. “O Governo do estado quer trazer cenários de modelagens para contribuir com o debate da revitalização da malha”, disse. Ele defende, também, que a revitalização de trechos existentes e novos traçados podem ampliar o fluxo e atrair cargas, e que os novos traçados devem ter viabilidade limitada sem subsídios. Ainda, reforçou que investimentos atrelados à demanda devem ter prazos claros desde o início do contrato.
Em sua fala, Camozatto afirmou que o custo Brasil é tratado como 20% do PIB, mais da metade (13,3%) vem do custo logístico para produção nacional. Parte vem da baixa qualidade da infraestrutura de transportes e outra parte vem da priorização do modal rodoviário em detrimento aos demais. Ele ressaltou que, em 25 anos, a malha gaúcha perdeu 1,5 mil quilômetros, e reforçou que a enchente tornou o cenário mais desafiador, aumentando o custo logístico.