A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o incêndio da Pousada Garoa realizou reunião, na manhã desta segunda-feira (14), para oitivas com três sobreviventes. A sessão foi conduzida pelo presidente da CPI, vereador Pedro Ruas (PSOL).
Marcelo Scheleck
A primeira oitiva foi com Marcelo Scheleck, que morava há três meses na Pousada Garoa, às próprias custas, sem qualquer vínculo com a Prefeitura. Sua irmã também estava morando na pousada e veio a falecer no incêndio. No dia do ocorrido, contou que estava acordado até próximo de 01h30min, e quando ia dormir, ouviu um grito de “fogo”. Em seguida, já saiu do quarto e viu as chamas tomando os quartos ao lado do seu. “Eu vi que rapidamente ia pegar fogo no meu quarto também, pois o quarto era de madeira, eu ia perder todas as minhas coisas”, disse. Seu quarto era o 37, no térreo, e escapou do fogo por questão de segundos. “Era só eu sair para a rua e abandonei imediatamente o prédio. Perdi tudo o que eu tinha”, desabafou.
Scheleck disse não saber em qual quarto o fogo se originou, mas que foi tudo muito rápido. Quanto às causas do incêndio, ele afirmou que desconhece o motivo. “Só rumores, ninguém sabe de nada, a verdade mesmo está encoberta”, afirmou. Sobre sua irmã, ele explicou que ela era uma pessoa obesa, de 68 anos, e com problemas psiquiátricos, que tomava remédios para dormir. “Ela morreu no quarto, na cama, asfixiada pela fumaça, depois ela foi carbonizada pelo fogo”, detalhou. Seu quarto era no segundo andar.
De acordo com seu relato, não recebeu qualquer apoio da Prefeitura após o incêndio. Nos quartos do térreo, não havia diferenciação entre os dormitórios das pessoas pagantes da Pousada Garoa e das que tinham convênio com a Fasc, segundo ele. Sobre os riscos, disse que já havia percebido que, “se desse um incêndio, seria um desastre” e acredita que os proprietários sabiam da insalubridade do local. Scheleck falou que não queria que a irmã morasse lá, em razão das más condições. “Eu também não queria morar lá, mas eu fui obrigado, porque eu sofri uma ordem de despejo de onde eu morava antes”, revelou.
A testemunha afirmou não saber se alguma facção criminosa dominava ou mesmo estava presente na Pousada Garoa quando da ocasião do incêndio, mas que percebeu o consumo de drogas no local, a partir do cheiro de maconha que sentiu certas vezes. Também ouvia discussões entre outros moradores, principalmente por causa de roubo de comida na geladeira comunitária da pousada. Por fim, concluiu seu depoimento pontuando que, entre meia noite e 4h, as portas eram trancadas, mas quando ele saiu do seu quarto para abandonar o prédio, a porta da saída já estava aberta.
John Corrêa
Também sobrevivente do incêndio, John Corrêa morou um ano na Pousada Garoa da Avenida Farrapos, e antes, sete meses na sede da Rua 7 de Setembro. Contou que, na ocasião, passou no meio do fogo, pela porta que dava acesso à rua. Ele disse que a porta era fechada a meia noite e aberta às 5h. Se alguém ia trabalhar à noite, o guarda (porteiro) liberava a entrada ou saída em outros horários.
Corrêa falou que salvou uma moça que estava grávida, pois a convenceu a sair do local quando o fogo começou. Também botou uma escada em frente à janela do segundo andar, que permitiu um homem sair. “Eu vi as pessoas saírem mortas de lá. Os que foram queimados saíram dentro de sacos de lixo, os que só inalaram fumaça saíram enrolados nos cobertores”, revelou. Após o incêndio, o Ação Rua que lhe ajudou e o levou ao Pronto Socorro. “Eles me deram uma carona”, resumiu.
Ele contou também que os extintores de incêndio não funcionavam e havia infestação de ratos e baratas na Pousada Garoa. Afirmou desconhecer a causa do incêndio. “Eu nem sei como eu saí, eu não sei como eu tô vivo hoje”, testemunhou. E corroborou que nunca viu o domínio de alguma facção criminosa ou tráfico de drogas na Garoa, apenas uso de substâncias ilícitas.
Gláucio da Rosa
A vítima do incêndio Gláucio da Rosa foi a última testemunha a ser ouvida pelos vereadores. Ele morou na Pousada Garoa durante dois anos e meio, com vínculo com a Prefeitura. “Eu morei em quase todas as Pousadas Garoa. Eram baratas, ratos e não tinha projeto de bombeiros, não tinha alvará, nenhuma delas”, apontou. Confirmou que a entrada no local era até a meia noite e a saída a partir das 4h. Rosa foi o primeiro a ver o fogo, junto com outros dois moradores, que dividiam o quarto com ele. As chamas iniciaram em um colchão, em um quarto que estava vazio; segundo o depoente, o colchão estava úmido, pois dias antes havia chovido. Imediatamente, chamou as pessoas que estavam nos outros quartos.
Contou que ele e o porteiro da Pousada Garoa, Bruno, viram um homem de camiseta amarela entrar na pousada à noite, com o rosto ensanguentado, e que depois já não conseguiram avistá-lo mais. Entraram em todos os quartos e não encontraram. Quanto à causa do fogo no colchão, Rosa afirmou: “alguém colocou fogo, porque curto circuito era impossível de ter, porque a fiação daquele local tinha sido feita há pouco tempo”. Em sua visão, o incêndio foi criminoso e acredita ter sido utilizado algum tipo de combustível para acelerar a queima do colchão, apesar de não ter sentido cheiro de combustível. Por outro lado, afirmou desconhecer a motivação do ato. Rosa confirmou que algumas pessoas pularam as janelas para se salvar. Ele disse que cada morador tinha a chave de seu quarto. Sobre a existência de facções criminosas dentro da Pousada Garoa, ele declarou: “lá dentro da Garoa não existia facção criminosa, isso aí é o território na rua”.