Polêmicas e enfrentamentos: os 100 dias do governo Melo II na prefeitura de Porto Alegre

Prefeito da Capital enfrentou oposição ferrenha, se envolveu em polêmicas e preparou terreno para colocar em prática planos externados durante a campanha eleitoral

Foto: Ricardo Giusti/CP

O governo Sebastião Melo II chegou ao seu centésimo dia em Porto Alegre. Reeleita no ano passado, a gestão do emedebista atinge a marca de 100 dias com enfrentamentos com a oposição, dificuldades em relação ao clima e envolvendo-se em polêmicas desde 1º de janeiro.

Enquanto Melo evita avaliações preliminares do novo governo, o PT faz relatórios criticando os primeiros meses de atuação. Após este primeiro trimestre, a prefeitura ingressa em uma nova fase para colocar em prática planos externados desde antes da campanha eleitoral.

No ato de posse, a primeira polêmica. Durante seu discurso após ser empossado pela Câmara de Vereadores, o emedebista classificou a defesa da ditadura como liberdade de expressão. A fala acabou motivando uma representação de partidos de esquerda contra Melo no Ministério Público Federal (MPF).

O dia 1 do novo governo também refletiu o final do mandato anterior: uma forte chuva alagou diversas áreas da Capital e deixou vários pontos sem luz – inclusive a Usina do Gasômetro, que seria o local da cerimônia de posse do secretariado, que acabou por ser adiada. O ocorrido parecia antever uma das principais dificuldades de Melo para 2025: resolver o problema dos constantes alagamentos e falta de energia na cidade em função das condições climáticas.

No dia 2, Melo enviou um pacote de projetos para o Legislativo com objetivo de apreciá-los em convocação extraordinária durante o recesso parlamentar. De prontidão, a nova bancada de oposição mostrou que usará de todos os atributos necessários para atrapalhar os planos do governo e postergou as votações em uma batalha judicial com um festival de liminares. Por fim, a base da situação acabou por garantir a aprovação de todas as sete propostas.

Melo viu a oposição crescer na Câmara a partir das eleições – elegendo 12 vereadores – e, com isso, também aumentam as possibilidades de desgaste. Até o momento já foram apresentadas duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs): uma já busca apontar culpados para o incêndio da Pousada Garoa – que está em operação – e outra, mais recente, quer “investigar o processo de desmonte do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae)”.

Mesmo em meio a enfrentamentos, a maioria formada a partir de uma coligação com 11 partidos na eleição dá a Melo vantagem em votações legislativas. Sua base garantiu aprovações importantes como nas alterações da licença-prêmio, projeto que desagradou os servidores públicos, e da ampliação da compra de vagas na educação infantil.

Ainda neste início de governo, Melo efetivou o primeiro aumento na passagem de ônibus de Porto Alegre desde 2021. Após quatro anos congelado, o valor da tarifa subiu 20 centavos, de R$ 4,80 para R$ 5,00.

O prefeito também se viu em meio a um caos na saúde pública da Capital, com hospitais superlotados, e precisou levantar a possibilidade de cortar serviços. Segundo o emedebista, a crise é generalizada e o sistema de saúde do município está sobrecarregado com pacientes de outras cidades, que não apresentam a mesma capacidade de atendimento. Em relação ao governo do Estado, a resposta veio com a sinalização de repasses de recursos. Melo tem viajado constantemente a Brasília para tratar do tema e se encontrou na noite de terça-feira com o ministro da saúde, Alexandre Padilha. Importante ressaltar que a prefeitura da Capital recebe recursos a mais na área da saúde por ser referência em alguns atendimentos.

Outro tema que levou Melo à Capital Federal foi a articulação para a composição do conselho federativo que vai gerir o futuro Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A atuação o levou a se tornar vice-presidente da Frente Nacional de Prefeitos (FNP).

Agora, o governo quer entrar numa nova fase e o principal tema do primeiro semestre deve ser a concessão do Dmae. “A lei está pronta. Vou apresentar primeiro para os vereadores, depois para os funcionários do Dmae e depois vou apresentar para a sociedade”, disse Melo, em entrevista. A divulgação do projeto à base aliada está prevista para a próxima segunda-feira.

Enquanto isso, precisa lidar com uma greve dos servidores públicos municipais, liderada pelo Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa). Recomposição salarial e ampliação dos benefícios trabalhistas são algumas das principais demandas do movimento, mas há outra reivindicação por trás da paralisação: justamente a contrariedade ao projeto de concessão parcial do Dmae.

Negacionista climático e sucateamento de serviços, as críticas da oposição
A bancada do PT da Câmara de Vereadores de Porto Alegre apresentou ontem um balanço dos 100 dias do segundo governo Melo. Na sede do Legislativo, os parlamentares detalharam um relatório de 64 páginas apontando os pontos mais críticos da gestão emedebista.

“Avaliar os primeiros dias do governo é fundamental para compreender os indicativos da direção que a gestão municipal pretende seguir. O relatório de 100 dias do governo de Sebastião Melo se propõe a ser uma análise técnica, porém se trata também de uma opinião política do Partido dos Trabalhadores”, explica o enunciado do relatório.

Entre os pontos está o “recrudescimento, o oposto do que se tinha como referência, ao invés do Melo-do-diálogo temos agora o Melo-do-autoritarismo”. Também houve destaque para a fala do prefeito em alusão à ditadura em seu discurso de posse.

Na peça, Melo é retratado como “negacionista climático”. “Há ainda a avaliação preliminar do sistema de contenção de Porto Alegre que indica que ele teve diferentes falhas, agravando o impacto das inundações (de maio de 2024). Muitos especialistas reiteram problemas de manutenção, como bombas que deixaram de funcionar e frestas em comportas que deixaram a água passar”, diz o texto.

Os vereadores dizem ainda que há “um processo deliberado de sucateamento administrativo do DMAE, fundamentalmente visando a sua privatização”. Afirmam que a força de trabalho na autarquia caiu mais do que a metade, reduzindo de 2.493 trabalhadores em 2007 para 1.047 em 2024, incluindo estatutários, celetistas, CCs, estagiários, adidos e cedidos.

Há também críticas à política de assistência social, à gestão da cultura, da educação, da saúde e de políticas de habitação e de mobilidade.

Melo rebate e cita resquícios da disputa eleitoral
Para Melo, as críticas são fundamentalmente resquícios da disputa eleitoral. “Eu ainda não li o relatório (do PT), estou com tantas atividades aqui, mas me foi relatado. Eu diria que não tem terceiro turno. A eleição acabou. Sou prefeito de todos. Essa é minha manifestação.”

A própria prefeitura não fará um balanço de 100 dias, como ocorre em alguns outros governos – como o de Eduardo Leite (PSDB) no Rio Grande do Sul, por exemplo.

“Eu acho que um governo não pode ser avaliado em 100 dias. Quem tem que avaliar permanentemente um governo é a população, especialmente no final do mandato. Eu não concordo com essa tese de fazer avaliação de 100 dias, isso é uma invenção da imprensa. Vou fazer um balanço lá no final do meu governo”, afirmou.

Sobre a paralisação dos servidores, disse que não pôde repor a inflação em virtude dos impactos das enchentes. “Eu sou um democrata, respeito greve. Posso não concordar. Ano passado, o governo repôs e aumentou acima da inflação o vale-alimentação. Nesse governo, não foi possível fazer a recomposição pela razão das enchentes, que geraram um déficit enorme”, disse. Ele deve se reunir com a direção do Simpa no próximo sábado de manhã para tentar resolver o impasse com os municipários.