Caso Laline: vítimas foram ouvidas pela manhã desta terça-feira

Réu é acusado de seis tentativas de homicídio contra policiais civis em abril de 2022

Réu acompanha o julgamento ao lado da defesa Foto: Juliano Verardi/DICOM/TJRS

Começou nesta terça-feira o júri de Anderson Fernandes Lemos, acusado de tentar matar seis agentes da Polícia Civil, em 2022, em Rio Grande, no Sul do Estado, durante uma operação policial. Todas as vítimas foram ouvidas em plenário, entre elas, a policial Laline Almeida Larratéa, atingida por um tiro na cabeça durante a ação de cumprimento de mandado de busca e apreensão na residência do réu. O depoimento dela ocorreu por videoconferência.

O Tribunal do Júri é presidido pelo Juiz de Direito Bruno Barcellos de Almeida e formado por cinco juradas e dois jurados (Conselho de Sentença). Na parte da tarde, segue a instrução plenária, com depoimentos de seis testemunhas e o interrogatório do réu.

Caso

Em 1º de abril de 2022, agentes da Polícia Civil lotados na Delegacia de Repressão as Ações Criminosas Organizadas (DRACO) desencadearam uma operação contra o tráfico de drogas. Uma das equipes cumpria mandado de busca e apreensão e de prisão preventiva na casa do réu, no bairro Querência, suspeito de organização criminosa e tráfico de drogas. De acordo com os policiais, Anderson estava em prisão domiciliar (com tornozeleira eletrônica), era ligado às lideranças de facções criminosas de Rio Grande e considerado de extrema periculosidade. Aquela não foi a primeira vez que houve buscas no local.

A policial Laline disse que não recorda muito bem dos fatos, pois o ferimento afetou a sua memória e também as suas emoções. Contou que passou por quatro cirurgias e que ficou cerca de 40 dias internada no hospital. Afirmou que sempre tentou ser mãe e que, após o ocorrido, as sequelas afetaram a relação com a filha de 3 anos. Houve uma mudança de comportamento, com maior irritabilidade com a criança, e também a separação do marido. Até hoje a agente faz uso de medicação e acompanhamento psicológico. Contou que a perda da memória recente ainda perdura. Com 12 anos de carreira, Laline está retornando ao trabalho na área administrativa.

Sobre o pouco que recorda do dia dos fatos, a agente informou que só consegue lembrar que os policiais chegaram gritando “polícia” e que começaram os disparos. “Fui alvejada e socorrida pelo helicóptero da Polícia Civil, levada para a Santa Casa, onde foi feita cirurgia para retirada do projétil”. Ela precisou fazer uso de fraldas, teve dificuldades cognitivas e foi ajudada pela mãe na recuperação.

Todas as outras vítimas também foram ouvidas na parte da manhã. Eles disseram que a operação foi realizada de dia e que houve o anúncio da operação ao entrar na casa. Que, na ocasião, usavam roupas e coletes da corporação e que chegaram em viaturas identificadas da Polícia Civil. Mesmo assim, no entanto, foram recebidos a tiros pelo réu, que teria efetuado em torno de seis disparos. Um deles acertou a policial civil Laline na cabeça. O homem foi preso em flagrante, mas a operação não foi concluída por conta do desfecho dos acontecimentos.

Os policiais disseram que a operação era de grande porte e que a cidade vivia um momento de alto índice de criminalidade, em especial, de ocorrência de homicídios.

A agente Pâmela Dutra Costa fazia parte da equipe e disse que, a partir do momento em que viram a colega baleada, a operação foi suspensa. “Ali, a gente parou tudo e a nossa prioridade foi salvar a Laline”. A vítima disse que sofreu grande impacto na vida pessoal após esse episódio: “Nunca mais fui a mesma policial”.

O policial Eduardo Rohde Marinho afirmou que estava na linha de frente quando os disparos começaram e não havia como se abrigar no pátio da casa do réu, por ser um corredor. Então, se abaixou próximo ao muro lateral. Contou que não sabia da onde vinham os tiros e que lembrou que, da outra vez em que estiveram lá, havia crianças no local. “Eu só poderia atirar se houvesse um alvo, não queria correr o risco de acertar uma criança”. Disse que já havia cumprido mandado de busca e apreensão na casa de Anderson por receptação e que já o prendeu por tráfico em via pública em outra ocasião.

Eduardo era colega de Laline na Delegacia. “Era uma pessoa despachada, animada. Hoje é outra pessoa, é apática, devagar para realizar as atividades”, afirmou o agente. “Os dias seguintes foram muito difíceis. Passávamos na frente do gabinete dela e sabíamos que ela estava na UTI para morrer. Que, a qualquer momento, poderia vir a notícia de que ela morreu. Mas a gente tinha que seguir trabalhando e atendendo os cidadãos”.

A vítima Jandir Nunes Silveira estava ao lado de Laline quando os disparos começaram. Recorda que cada um caiu para um lado e que, quando levantou, viu a colega com a cabeça ensanguentada. Foi ele quem chamou o helicóptero para socorro da policial. Afirmou que o réu tinha posição privilegiada sobre eles. “Se eu fosse reagir, podia ferir os colegas que estavam na minha frente. De onde eu estava, não enxergava nada”. Relatou que, naquela ocasião, a criminalidade no município estava em alta, em especial, o índice de homicídios.

O agente Leandro Castro Soares estava na frente de Laline durante a operação. Informou que não efetuou nenhum disparo por não haver um alvo e por cautela pela possibilidade da presença de crianças. Sobre a colega, afirmou que era “de sorriso fácil”. E que foi preciso apoio psicológico da corporação após o ocorrido, porque não havia mais clima para o trabalho. “Não tem como sermos os mesmos devido ao trauma que gera. Estávamos todos a trabalho e retornamos para casa com um integrante a menos. E até hoje ela não é mais a mesma pessoa. Poderia ter sido um de nós ou mais de um”.

Última vítima a prestar depoimento, o agente Douglas Echevenguá Arrieche afirmou que, antes do início da operação, eles foram orientados de que se tratava de uma ação de grande porte. Já conheciam o local e sabiam que o pátio era uma espécie de corredor, sem possibilidade de abrigo. “De cara, nos chamou atenção que havia câmeras no poste”, frisou. Disse que foi avisado por uma colega que estavam sendo alvejados e que ouviu em torno de seis disparos. Pensou em atirar de volta, mas lembrou que, da última vez que esteve na casa do réu, havia crianças jogando videogame no sofá. “Se eu tivesse revidado, poderia ser eu sentado hoje naquele banco (do réu)”.

Douglas algemou Anderson e em seguida viu a colega caída no chão. Ele ajudou a retira-la do local e também a acompanhou durante todo o percurso até o hospital. Disse que Laline era uma pessoa “comunicativa, radiante, que sabia tudo” e que hoje “luta com as dificuldades dela”. “A gente tem que buscar ajuda para seguir em frente”, afirmou.