Com o salão do tribunal do juri em Rio Grande lotado, em sua maioria de policiais civis e militares, começou na manhã desta terça-feira o julgamento de Anderson Fernandes Lemos. Ele é acusado de seis tentativas de homicídio em abril de 2022.
Após a escolha dos sete jurados, sendo cinco mulheres e dois homens, o juiz Bruno Barcellos de Almeida começou a ouvir as vítimas, ou seja, os policiais que estavam na operação, quando o réu atirou seis vezes com uma pistola. 40.
A primeira vítima a prestar depoimento foi a policial Pâmela Dutra Costa Vaz. Na época, ela, assim como os policiais envolvidos, trabalhava na delegacia do Cassino. A operação ocorreu por volta das 7h30min de 1º de abril de 2022, no pátio da casa do réu no bairro Querência. “Era um dia em que eu e mesmo colegas poderíamos ter morrido. Estávamos em seis e duas viaturas identificadas para cumprir os mandados de busca e apreensão e de prisão. Quando estávamos no pátio começaram os disparos. Quando terminou ele se entregou”, relatou.
Ela lembrou da policial Laline Almeida Larratéa, que estava caída com atingida na cabeça. “Quando vimos que ela estava viva, pedimos o helicóptero que pousou no Cassino e levamos o Pico (apelido do reu” para ser apresentado na Delegacia de Pronto Atendimento (DPPA)”, completou. Respondendo a pergunta dos promotores, ela confirmou que os policiais não atiraram. “Foi desesperador, pois não conseguimos nos abrigar”, observa. Pâmela disse com convicção que o réu sabia que era a polícia. “Não se tem notícias de facções rivais que entram com mulheres para matar, como gritamos ele sabia que era polícia”, opina.
A investigação que resultou na Operação era da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (DRACO). Conforme a acusação, apesar de os policiais terem se identificado, foi anunciada a ação e o réu efetuou disparos de arma contra eles. O réu, preso em flagrante no dia do crime, permaneceu em prisão preventiva até o dia 28 de abril de 2023, quando passou a responder o processo em liberdade.
O réu é suspeito de participar de organização criminosa e tráfico de drogas. De acordo com os policiais, Anderson era ligado às lideranças de facções criminosas de Rio Grande e considerado de extrema periculosidade. Aquela não foi a primeira vez que houve buscas no local.
Pâmela mostrou onde o tiro atingiu Laline, que foi a segunda a prestar depoimento. Por videoconferência, ela disse não recordar muito bem do dia do fato, então o juíz perguntou sobre sua recuperação. Ela fez quatro cirurgias e teve 40 dias hospitalizada, sendo 25 na UTI. Laline disse que ao ter alta notou que ficou sem sentimentos. “Fiquei um ano e oito meses tentando engravidar. Quando voltei do hospital não tinha sentimentos pela minha filha, que na época tinha três anos”, conta.
Laline tem perda de memória recente e ainda toma remédio de forma contínua. Ela tem dificuldade de lembrar o que ocorreu no dia anterior e perdeu a afetividade em relação a filha. Após passar um ano e meio afastada de suas funções, atualmente Laline trabalha na parte administrativa da policia.
Sobre o pouco que recorda do dia dos fatos, a agente informou que só consegue lembrar que os policiais chegaram gritando “Polícia” e que começaram os disparos. “Fui alvejada e socorrida pelo helicóptero da Polícia Civil, levada para a Santa Casa, onde foi feita cirurgia para retirada do projétil”. Precisou fazer uso de fraldas, teve dificuldades cognitivas e foi ajudada pela mãe na recuperação.
O policial civil Eduardo Rohde Marinho afirmou que estava na linha de frente quando os disparos começaram e não havia como se abrigar no pátio da casa do réu, por ser um corredor, então, se abaixou próximo ao muro lateral. Contou que não sabia da onde vinham os tiros e que lembrou que, da outra vez em que estiveram lá, havia crianças no local. “Eu só poderia atirar se houvesse um alvo, não queria correr o risco de acertar uma criança”. Disse que já havia cumprido mandado de busca e apreensão na casa do réu por receptação e que já o prendeu por tráfico em via pública, em outra ocasião.
Rodhe era colega de Laline na delegacia. “Era uma pessoa despachada, animada. Hoje é outra pessoa; é apática, devagar para realizar as atividades”, afirmou o agente. “Os dias seguintes foram muito difíceis. Passávamos na frente do gabinete dela e sabíamos que ela estava na UTI para morrer. Que, a qualquer momento, poderia vir a notícia de que ela morreu. Mas a gente tinha que seguir trabalhando e atendendo os cidadãos”, lembra.
Jandir Nunes Silveira estava ao lado de Laline quando os disparos começaram. Recorda que cada um caiu para um lado e que, quando levantou, viu a colega com a cabeça ensanguentada. Foi ele quem chamou o helicóptero para socorro da polícia. Afirmou que o réu tinha posição privilegiada sobre eles. “Se eu fosse reagir, podia ferir os colegas que estavam na minha frente. De onde eu estava, não enxergava nada”. Relatou que, naquela ocasião, a criminalidade no município estava em alta, em especial, o índice de homicídios, que naquele ano chegou a 102.
O agente Leandro Castro Soares estava na frente de Laline durante a operação. Informou que não efetuou nenhum disparo por não haver um alvo e por cautela pela possibilidade da presença de crianças. Sobre a colega, afirmou que era “de sorriso fácil”. E que foi preciso apoio psicológico da corporação após o ocorrido, porque não havia mais clima para o trabalho. “Não tem como sermos os mesmos devido ao trauma que gera. Estávamos todos a trabalho e retornamos para casa com um integrante a menos. E até hoje ela não é mais a mesma pessoa. Poderia ter sido um de nós ou mais de um”.
Última vítima a prestar depoimento, o agente Douglas Echevenguá Arrieche afirmou que, antes do início da operação, eles foram orientados de que se tratava de uma ação de grande porte. Já conheciam o local e sabiam que o pátio era uma espécie de corredor, sem possibilidade de abrigo. “De cara, nos chamou atenção que havia câmeras no poste”, frisou. Disse que foi avisado por uma colega que estavam sendo alvejados e que ouviu em torno de seis disparos. Pensou em atirar de volta, mas lembrou que, da última vez que esteve na casa do réu, havia crianças jogando videogame no sofá. “Se eu tivesse revidado, poderia ser eu sentado hoje naquele banco (do réu)”, observou. Ele algemou Anderson e em seguida viu a colega caída no chão.
O policial ajudou a retirá-la do local e também a acompanhou durante todo o percurso até o hospital. Disse que Laline era uma pessoa “comunicativa, radiante, que sabia tudo” e que hoje “luta com as dificuldades dela”. “A gente tem que buscar ajuda para seguir em frente”, afirmou. À tarde seguem os depoimentos de seis testemunhas e o interrogatório do réu. A previsão é que a sentença seja conhecida nesta quarta-feira.