A presença da fumaça das queimadas, que tem acinzentado o céu nos últimos dias, fez muitas pessoas tirarem das gavetas ou comprarem máscaras faciais, item este que parecia um tanto esquecido depois do auge da pandemia de Covid-19. Desta forma, nas ruas, não é difícil ver um uso maior delas. Apesar disto, a Secretaria Municipal de Saúde em Porto Alegre (SMS), diferentemente do que fazem o Ministério da Saúde e a Secretaria Estadual de Saúde (SES), não recomenda ainda o uso delas pela população em geral para se proteger do horizonte nebuloso.
“As pessoas podem usar as máscaras para proteger seu aparelho respiratório, mas não estamos recomendando ainda”, justificou a gerente da Unidade de Vigilância Epidemiológica da SMS, Aline Vieira Medeiros. “Observamos se haverá aumento nas internações ou alguma notificação maior que venha a nos chamar a atenção. A rede de saúde de Porto Alegre está preparada”. Por ora, a Administração recomenda o uso quando há algum sintoma respiratório.
“Nesta época, temos várias doenças virais circulando, como influenza e a própria Covid-19”, salientou Aline. Segundo o Estado, “o uso de máscaras do tipo cirúrgica, pano, lenços ou bandanas podem reduzir a exposição às partículas grossas, especialmente para populações que residem próximas a fontes de queimadas”, melhorando o desconforto das vias aéreas superiores. As máscaras tipo N95, PFF2 ou P100 (PFF3) “são adequadas para reduzir a inalação de partículas finas por toda a população”. O mesmo afirma o Ministério da Saúde. Já a hidratação é uma das recomendações comuns a todos os órgãos públicos.
Para a doutora em Biologia Celular e Molecular e professora de Biossegurança da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Melissa Markoski, é válida a recomendação do uso de máscaras. “Penso que é sempre melhor prevenir do que remediar. Se as pessoas se prevenirem, diminui a chance de desenvolver algum problema. A população já pode utilizar máscara desde agora para se proteger do excesso de partículas que a fumaça traz”, disse ela, reforçando que o item pode ser usado em caso de circulação em geral e caminhadas mais longas.
Nas ruas, uso do item aumentou
A editora de vídeos Mariah Gonçalves, moradora do Centro Histórico, disse que passará a utilizar máscaras devido à insalubridade do ar. “Ontem (terça), quando saí de casa, já pensava em usar, mas como ainda não tinha em casa, saí sem. Caminhei uns 40 minutos, mas, mesmo assim, senti uma dor de cabeça e meu nariz seco depois. Por isso, decidi que vou usar quando sair, mesmo que seja para caminhos curtos, como ir no mercado”, salientou ela, que adquiriu uma PFF2.
O aposentado Luiz Cláudio Flores, morador do bairro Bom Jesus, caminhava nesta quarta pela Esquina Democrática de máscara, ao lado da esposa, Elenara Couto Flores, que relatou estar com ela dentro da bolsa, junto com duas garrafas de água para hidratação. “Se começar aquela coceira na garganta, automaticamente vou colocar. Vejo que tem bastante usando”, comentou Elenara. “Ontem (terça) mesmo, minha filha passou o dia todo de máscara porque atacou a rinite nela. Uso máscara e estou tomando bastante líquido”, acrescentou. “Além de ser transplantado há pouco tempo, quero prevenir dessa poluição”, comentou Luiz.
Nesta quarta, o calor aumentou em relação ao dia anterior, assim como o índice de poluição estimado por satélite, já que a Capital não conta com nenhum monitoramento em tempo real da qualidade do ar. A medição da empresa suíça IQAir mostrava no começo da tarde de hoje novamente um índice “insalubre”, comparável ao de grandes cidades líderes neste ranking pelo mundo. A MetSul Meteorologia afirmou que a qualidade do ar em Porto Alegre é a pior em 13 anos.
Questão de segurança nacional, diz professor
Na terça, o Correio do Povo demonstrou que a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) mantém em seu site os índices de três estações da rede automática, situados nos municípios de Canoas, Esteio e Guaíba, na região metropolitana, porém nenhum deles é público, porém de empresas privadas, e somente exibe atualizações uma vez ao dia. E enquanto a paisagem há dias é nebulosa em todo o Estado em razão da fumaça, os equipamentos de Canoas e Guaíba demonstravam qualidade do ar “moderada”, enquanto, em Esteio, o índice era “bom”, ainda conforme boletim da terça.
Nenhuma destas estações monitora um dos poluentes mais críticos, o material particulado 2,5 (MP2,5), partículas de diâmetro aerodinâmico igual ou menor a 2,5 picômetros, que podem ingressar nos pulmões e na corrente sanguínea, causando doenças como asma, bronquite e enfisema, e aumentar o risco de ataques cardíacos, derrames e câncer de pulmão, assim como nascimentos prematuros e baixo peso de bebês ao nascer. Para o professor Pedro Maria de Abreu Ferreira, do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da Biodiversidade e do Instituto do Meio Ambiente da PUCRS, a questão não pode ser tratada apenas em âmbito local, mas sim nacional e globalmente, dentro de um contexto da preservação ambiental.
“A qualidade do ar nas metrópoles deveria ser algo de segurança nacional, pela densidade de pessoas que vive nestes determinados locais. A ideia é importantíssima, mas pensar simplesmente nisto parece ser algo até egoísta de nossa parte. Neste momento, o esforço nacional deveria ser no sentido de controlar as queimadas criminosas em vários biomas brasileiros, em especial no sul da Amazônia e no Cerrado, onde estão as maiores concentrações de focos de incêndio. Alguns destes locais jamais se recuperarão”, disse ele.