Considerada a maior indústria de calçados do Ocidente, a brasileira produz, anualmente, mais de 865 milhões de pares. Para 2024, a estimativa da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) é de um avanço produtivo entre 0,9% e 2,2%, perspectiva que é ancorada no mercado interno. Neste contexto de crescimento, também avança a utilização dos chamados materiais alternativos no desenvolvimento de calçados. São tanto materiais reciclados ou de reuso quanto biomateriais, ou seja, insumos provenientes da natureza e biodegradáveis.
O presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira, destaca que, atualmente, seis em cada dez produtoras de calçados possuem ao menos uma linha de produtos sustentáveis. “Embora ainda exista certa dificuldade na questão de escala, o que muitas vezes torna produtos desenvolvidos com materiais alternativos mais custosos para o consumidor, existe um movimento na sociedade que não pode ser ignorado e que, logo mais, irá tornar esses produtos escaláveis e mais competitivos”, projeta o dirigente.
Uma das empresas que utiliza material alternativo na composição do seu calçado é a Plugt, indústria de produtos infantis de Birigui/SP. A calçadista, fundada em 2001, desde sua concepção teve preocupação com a sustentabilidade dos seus produtos, que não utilizam materiais pesados nem ftalatos na sua composição. Há cerca de sete anos, a empresa avançou ainda mais. Em uma parceria com uma marca austríaca, a Plugt passou a produzir calçados para adultos no modelo private label com fibra de coco e bambu. “Notando um interesse crescente no mercado, passamos a utilizar o material também na produção da marca Plugt, o que foi um sucesso”, conta o diretor da empresa, Renato Ramires.
PRODUÇÃO DIÁRIA
Atualmente, segundo Ramires, cerca de 20% da produção diária de 1,2 mil pares é desenvolvida com uma mistura de fibras de coco e bambu com PVC. Segundo ele, existe uma demanda cada vez maior por materiais alternativos, principalmente no mercado internacional, para onde a empresa envia entre 20% e 30% de sua produção. “Aqui no mercado interno esse movimento é mais fraco, mas também vem crescendo, o que nos permite almejar um aumento da utilização das fibras nas nossas linhas”, projeta o empresário. Além das fibras, a Plugt vem estudando o desenvolvimento de calçados com cortiça reaproveitada e o chamado “EVA verde”, produzido a partir da cana-de-açúcar.
A Alme, marca feminina que integra o grupo Azzas 2154 (antigo Arezzo&Co), entrou no mercado em 2018 e, em 2021, passou por um reposicionamento, adotando como propósito ser a marca referência em práticas sustentáveis aplicadas ao produto. “Criamos os calçados com o menor impacto possível para o meio ambiente e máximo de conforto para os pés. Combinamos informação de moda e matérias-primas de baixo impacto, como componentes de bases vegetais e reciclados, aliados a uma tecnologia inovadora que proporciona o máximo de conforto e estilo”, conta Isabella Barbieri, head de Operações e Marketing da Alme.
Os calçados da Alme utilizam materiais biodegradáveis, reciclados e de fontes renováveis, como garrafas pet (originam os fios dos tecidos), cana-de-açúcar (base para o EVA verde utilizado nas palmilhas e solas dos sapatos), algodão reciclado (reaproveitado da indústria têxtil), além do adesivo à base d’água e sem solventes e papel certificado pela Forest Stewardship Council (FSC).
Para Isabella, existe um movimento perceptível nos últimos anos a respeito da importância da sustentabilidade. “Essas discussões foram muito impulsionadas pelos desafios socioambientais que enfrentamos atualmente. Isso se reflete na relação com o consumo e, neste cenário, produtos e marcas que adotam práticas mais sustentáveis se destacam”, comenta, citando uma pesquisa que mostra que 38% dos consumidores já trocaram sua marca favorita por outra devido a questões de sustentabilidade (McKinsey). “Minha percepção é de que os consumidores estão cada vez mais dispostos a buscar produtos que tenham um menor impacto ambiental, preferindo marcas comprometidas com a agenda ESG. Esse é um movimento importante, que fortalece a transformação para um mercado mais consciente”, acrescenta. Além dos produtos sustentáveis, a Alme oferece, em suas lojas físicas, um serviço aos clientes para o descarte adequado de sapatos, o Alme Retorna. Por meio dele, os produtos podem se tornar matéria-prima para a indústria cimenteira, uma alternativa mais sustentável em relação ao combustível fóssil.
RECICLAGEM
A PVC Indústria e Comércio, fabricante das sandálias e chinelos da marca Vizzia, também aposta no produto reciclado para ter mais competitividade. Diferente da maioria dos outros players, no entanto, é justamente o PVC reciclado, que é buscado em parceria com catadores de cooperativas locais na cidade de Juazeiro do Norte/CE, que deixa o preço das sandálias mais competitivo. “Processamos, anualmente, mais de 60 toneladas de PVC. Eles, após a moagem, são utilizados nas solas dos nossos produtos, sem perder em nada na qualidade e conforto para as sandálias produzidas a partir de matéria virgem”, conta o diretor da empresa, Wanderson Sampaio Gonçalves. O empresário diz, ainda, que além de ajudar o meio ambiente com a reciclagem do material que iria para aterros, o processo torna o preço mais competitivo. “O custo fica em torno de 15% menor se comparado ao produto feito a partir de material virgem”, acrescenta.
Com uma produção diária de 14 mil pares de sandálias e 10 mil pares diários de solados de PVC, o grupo exporta cerca de 20% dos calçados desenvolvidos para países da América do Sul. “No mercado internacional, existe uma maior receptividade para o nosso produto, mas o mercado interno ainda valoriza pouco. Acredito que seja um processo de conscientização”, avalia Gonçalves. Com o mercado doméstico mais aquecido, o empresário projeta que, neste ano, sejam processadas mais de 90 toneladas de PVC, com um crescimento entre 5% e 10% na produção de sandálias e solados.
Além de utilizar o PVC reciclado nos seus calçados, o grupo utiliza polietileno reciclado de para-choques automotivos para desenvolver os cabides que acompanham suas sandálias. “É um processo menor, mas importante. Processamos, mensalmente, cerca de 2 toneladas desse plástico. Assim como o PVC, ele é comprado de cooperativas de reciclagem”, conclui.