O que antes era um local de vida e diversão, especialmente durante o verão, agora se transformou em um cenário desértico e devastado. A Praia do Lami, na Zona Sul de Porto Alegre, está completamente destruída. Árvores foram arrancadas, calçadas levantadas e o corrimão de ferro arrancado como se fosse um simples e frágil cercado.
Um pequeno lago se formou em uma parte baixa da praia, resultado da água que ainda não retornou ao Guaíba. Outro ponto que impressiona é que, em meio a todo o caos, apenas a guarita de salva-vidas permanece em pé.
O cenário lembra uma zona de guerra. Os resíduos trazidos pela enchente – plásticos, sacolas, potes, garrafas, entre outros – estão espalhados por todos os lados. Em meio a essa destruição, destaca-se a única lancheria que permaneceu no local. Alessandra Hoch da Costa Franco, proprietária do estabelecimento, relata a situação com uma mistura de resignação e esperança.
“Eu fiquei cercada pela água, mas fiquei aqui,” conta Alessandra. “A água veio por trás e deixou a gente ilhado, mas não atingiu o prédio. Na frente, veio até a esquina. Ficou só eu e um vizinho que mora num sítio e ficou na estrada com um motorhome. O dono de outro estabelecimento ficou no carro pra cuidar, por medo de saque, mas mesmo assim tentaram roubar o bar dele”, conta.
O cenário de devastação é ainda mais evidente com a ausência de moradores. “Saiu todo mundo e foi embora. A maioria alugou casa no (bairro) Belém Novo. Eles nasceram e se criaram aqui. Se tivesse como voltar, acho que voltariam, mas agora não tem condições. Parece uma cidade fantasma. Tudo destruído”, afirma.
Alessandra conta que, apesar do cenário, a lancheria voltou a funcionar há duas semanas. “Voltamos, mas o movimento está um caos. Nessa época de inverno, não tem o movimento do verão. Dependia dos moradores, mas a maioria foi afetada. Estamos na luta. Não podemos parar”, afirma.
Apesar da confiança de que a água não entraria, ela relata que o medo foi inevitável. “Não vou negar que tive medo. Meu marido estava confiante porque fez o prédio alto, deduziu que poderia acontecer um dia. Chegou um ponto que chorei de medo, porque as ondas batiam altas e fortes”, relata
A comunidade local também teve apoio de diversas entidades e voluntários. “Fomos assistidos pela Defesa Civil de São Paulo. Meu genro passou a madrugada resgatando gente, até porco. Tem um local em que ele ouviu latido dos cachorros e entrou na casa. Quando chegou, tinha uma pessoa com água pelo pescoço que não queria sair. Pediu pra morrer, mas ele disse que enquanto estivesse lá, não morreria nas mãos dele, e retirou de dentro da casa”, diz Alessandra.
Além das pessoas, os animais também foram afetados. “Agora tem vários cachorros de rua que os moradores cuidavam, mas quando deu a enchente, as ONGs recolheram. Só que alguns foram trazidos de volta após o fechamento das ONGs, que deixaram rações para quem ficou alimentar os animais”, explica.
Para Alessandra, além dos danos materiais, a enchente também trouxe danos emocionais. “Eu passei mal e fui parar no hospital, minha filha também. No dia das mães quase perdi ela. Ela convulsionou dormindo e foi levada pro hospital. Contou o que estava vivendo e o médico disse que foi o emocional, o sistema nervoso. Uma bola de neve que desencadeou isso nela”, revela.
Apesar da destruição, a comunidade do Lami continua lutando para se reerguer. “Nosso problema maior é o vento Sul. A água vindo de todos os lugares, somada ao vento Sul, é o que represa a água. Mas não tem muito o que fazer,” argumenta Alessandra.
Para a moradora, ver um local que normalmente é cheio de vida destruído, em ruínas e vazio, é um fator de extrema tristeza. “Não tenho palavras para descrever o que estou vivendo. A gente assiste na TV que tem lugares piores, mas este aqui é o nosso lugar. É aqui que vivemos e isso dói”, conclui, emocionada.