Em vazante mais intensa nos últimos dias, as águas do Guaíba revelam, no bairro Lami, no Extremo Sul de Porto Alegre, a destruição e a tristeza provocadas pela enchente desde o início de maio.
Nesta terça-feira, 28, moradores das áreas mais próximas à praia, como o comerciante Richard Rangrab, procuravam, entre os escombros de suas residências, o pouco que lhes restou. Caminhando pelas ruínas da casa, ainda parcialmente alagada, Rangrab juntou sobre uma caixa de isopor o que conseguiu salvar do patrimônio acumulado há 30 anos: meia dúzia de pratos, xícaras, três panelas e um chuveiro.
No local, Rangrab vivia com a mãe, dedicando-se os dois ao preparo e venda de crepes aos muitos frequentadores da praia, em um tempo que agora parece longínquo. “É a segunda enchente em menos de um ano. Em setembro, ficamos com água pela canela. Agora, perdemos tudo. Não dá mais para viver aqui”, diz Rangrab.
Cerca de vinte metros mais afastado da praia, na mesma rua Luís Veira Bernardes, o casal de comerciantes Everaldo Viana Bueno, 53 anos, e Maria Elizabete Mourão, 52 anos, também se perguntam sobre o que fazer. Diferentemente do que ocorreu com a casa de Rangrab, o imóvel que abriga a Lancheria Altas Horas e que também serve de moradia à família, incluindo quatro filhos, permanece em pé. No interior, no entanto, a destruição é quase total. “Conseguimos terminar de limpar ontem”, diz Bueno, calculando o prejuízo em R$ 100 mil.
Maria Elizabete mostra produtos expostos numa prateleira, como pacotes de farinha, de milho para pipoca, garrafas de bebidas e latas de cerveja e de refrigerante, tudo marcado pela água e pela lama. “Ainda nem pagamos as bebidas”, diz a mulher, encostada à mesa de sinuca umedecida e com a madeira deformada pelo longo período submersa. O casal levou os filhos para residência de parentes no bairro Restinga, mas passou a maior parte do tempo, desde o começo do mês, vivendo dentro de um Fiat Uno, junto ao estabelecimento inundado. “Não dava para sair daqui. Teriam roubado tudo”, explica Bueno.
Cozinha comunitária
Na principal via do Lami, a Estrada Otaviano José Pinto, o pescador Lauri Goettens, o Nene do Lami, 44 anos, montou uma cozinha comunitária. De acordo com o pescador, cerca de 200 pessoas da região recebem almoço e janta diariamente. A cozinha é abastecida com mantimentos doados por moradores e empresários do bairro. Num mercado do outro lado da rua, Nene acumulou, até o momento, uma dívida de R$ 1.658. “Vamos ficar aqui enquanto houver necessidade”, garante Nene, que afirma também a intenção de permanecer morando junto à beira da praia, onde teve a casa destruída e a perda de todo o equipamento de pesca. “Vou construir a casa mais alta e deixar os barcos embaixo”, diz, apontando para três lanchas estacionadas sobre o acostamento, no lado oposto da estrada. Junto às embarcações, a prefeitura instalou dois banheiros químicos.
Nesta terça-feira, o cardápio da cozinha, comandada pelo comerciante Endrew Silva de Oliveira, 32 anos, incluía “galinhada, feijão bem carnudo, polenta e salada de repolho”.