As enchentes ainda causam inúmeros problemas em curso em Porto Alegre, e agora, além dos transtornos na área urbana, surgiu uma desconfiança relacionada à medição do Guaíba a partir da régua instalada no Cais Mauá, porém que está emergencialmente disposta na Usina do Gasômetro. Medições realizadas manualmente no local dão conta de que a diferença de nível em relação ao que é divulgado pelo governo do estado e Prefeitura da Capital pode ser tão grande quanto 70 centímetros, comprometendo não apenas as informações divulgadas pela imprensa, bem como a tomada de decisões por parte das autoridades.
Hoje pela manhã, enquanto a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), responsável pela régua automática, divulgava a marca de 3,84 metros, o nível medido pelo Correio do Povo utilizando uma régua simples apontava 3,14 metros. A MetSul Meteorologia, por exemplo, já informou que deixará de informar os dados da régua automática da Sema, colocando em dúvida as medições divulgadas pelo governo. “Deixaremos de considerar a cota de 5,35 metros como o máximo desta cheia, preferindo aguardar estudos técnicos posteriores sobre qual o real e exato pico da cheia de maio de 2024”, disse a empresa, em nota.
A estação Cais Mauá C6 é mantida como referência para todas as cotas de cheia, inclusive a de 1941 e as de 2023, mas as medições precisaram ser transferidas emergencialmente à Usina do Gasômetro entre os dias 2 e 3 de maio, afirma uma nota técnica do Departamento de Recursos Hídricos e Saneamento (DRHS) da Sema, divulgada na quarta-feira. Na noite de 2 de maio, a marca era de 3,70 metros, superando os níveis de alerta e inundação. Na manhã seguinte, os técnicos mediram 1,58 metro a mais em relação à cobertina (topo) do cais, que é de 3 metros, e fixaram a régua do Gasômetro nos mesmos 4,58 metros.
O problema é que as cotas de cheia e inundação dos dois locais não é a mesma, devido aos desníveis, mas a secretaria, que sabia do problema, assumiu que fossem, “por praticidade, e impossibilidade de melhor levantamento topográfico”, afirmou. “Diversos estudos necessários para a amarração das estações não tinham como ser realizados”, afirmou o hidrólogo da Sala de Situação do RS, Pedro Camargo. “Para registro histórico, a transposição dos dados observados na Usina do Gasômetro para a estação Cais Mauá C6 pode ser objeto de avaliação, sendo que isso necessariamente não incorre em erro”, acrescenta, dizendo ainda que “as premissas assumidas não incorreram em prejuízo à sociedade, uma vez que os alertas já haviam sido emitidos tempestivamente”.
As medições das cotas do Guaíba são utilizadas, por exemplo, para determinar fechamento ou abertura das comportas do próprio Cais, controle do extravasamento de diques, entre outros, por isso, qualquer diferença é importante. Entre o Cais e o Gasômetro, afirma a Sema, a própria largura do canal é diferente, medindo 400 metros no cais e o dobro disto, 800 metros, no Gasômetro. Fenômenos naturais, como o represamento das águas pelo vento sul, também são diversos em locais distintos, interferindo na medição. “O nível da água pode não ser idêntico”, reconhece o governo. “Sobre os dados em tempo real, há uma questão de hidrodinâmica do Guaíba mais difícil de precisar 100%. Em todas estas mudanças, há uma morfologia do Guaíba que é diferente do ponto original. É uma questão complexa”, comenta Camargo. “Estes índices vão precisar ser revistos depois”, acrescenta.
Quando se coloca em perspectiva uma estação já existente antes, chamada de Praça da Harmonia, localizada também perto da usina, as diferenças são ainda mais evidentes. Divulgada pela startup TideSat, incubada na UFRGS, a cota ao meio-dia de hoje neste local estava em 3,20 metros, enquanto a divulgação oficial da Sema na estação Cais, mas que correspondia ao Gasômetro, era de 3,90 metros. Para o professor Fernando Dornelles, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH/UFRGS), as variações de nível do Guaíba são reais, porém é preciso haver sistemas redundantes em informações hidrometeorológicas. “Isto que vemos, por exemplo, baixou tantos centímetros em tantas horas, é real. O que não temos é a referência em relação à cota de inundação conhecida, mas, assim que determinarem isto, é possível consisti-la”, afirma ele.