Tragédia no RS renovou pressão para cumprimento da meta fiscal, diz analista

Ajuda traz questionamentos sobre capacidade fiscal para realizar as medidas de reconstrução

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É ainda difícil estimar o volume de recursos necessários para a reconstrução das cidades do Rio Grande do Sul após a tragédia das chuvas no Estado. Primeiramente porque as águas ainda não baixaram em todas as localidades, o que deve levar semanas ou até meses. Em segundo, o cálculo dos valores estimados, destruídos pelo alto volume de chuva, ainda não foi realizado e economistas trabalham apenas com estimativas.

A interpretação é do analista de economia Leandro Manzoni, da plataforma Investing.com, para quem medidas emergenciais já foram tomadas em relação aos entes federativos e famílias afetadas pela tragédia. Ainda faltam anúncios de medidas para a reconstrução da infraestrutura do Estado, como também crédito para empresas para a retomada da atividade econômica.

Entre as medidas anunciadas pelo Governo Federal e aprovadas estão a suspensão, por três anos, do pagamento do principal e dos juros da dívida do Estado do Rio Grande do Sul com a União, auxílio emergencial de pagamento único no valor de R$ 5,1 mil para 240 mil famílias afetadas pela tragédia, conjunto de medidas para facilitar o acesso à habitação a famílias atingidas, além de repasses para os municípios castigados pela chuva.

“A ajuda bem-vinda e necessária traz questionamentos se o governo federal tem capacidade fiscal para realizar as medidas de reconstrução do Rio Grande do Sul. Dois fatores são primordiais para entender essa dúvida: a aprovação pelo Congresso Nacional de recursos destinados à retomada gaúcha fora do arcabouço fiscal e do cálculo do orçamento primário (que exclui os pagamentos de juros da União com credores); e a atitude dos credores de “tolerarem” o aumento de gasto ao longo da curva de juros”, diz Manzoni.

Para Bruno Corano, economista e investidor da Corano Capital, a situação no Rio Grande do Sul é muito séria, sendo muito difícil de ser estimada com precisão. A tragédia vai impactar o PIB do Estado de uma maneira drástica mas é prematuro estimar com precisão de quanto será esse impacto e também quais os recursos necessários para se restabelecer o que foi destruído.

“Eu, particularmente, acho que todos os números que circulam são subestimados ainda. Ter dinheiro a fundo perdido é necessário. Ou se levaria mais de uma década para se reconstruir tudo, por meio de um processo orgânico e com o próprio restabelecimento da economia oxigenando essa reconstrução. Ou seja, é muito tempo perdido”, diz Corano.

ASPECTOS

O primeiro aspecto, segundo ele, é que o gasto com a rubrica “ajuda ao Rio Grande do Sul” não pressionará as contas públicas no que tange à gestão dos recursos federais pelo Tesouro, já que este dinheiro pode ser remanejado para uma espécie de “orçamento diferente”. Isso significa, na interpretação do analista da plataforma Investing.com, que o dinheiro destinado ao Rio Grande do Sul não vai interferir na gestão de outras políticas públicas, o que dá margem para o governo federal concentrar esforços na reconstrução.

Porém, não há exclusão desses recursos na capacidade de influenciar a trajetória de endividamento, ou seja, há pressão de aumento do endividamento para que essa ajuda seja viabilizada. E isso é monitorado pelo mercado financeiro. Se houver, em tese, aumento dos juros futuros ao longo das próximas semanas, significa que o mercado avalie uma trajetória crescente da dívida pública em relação ao que se esperava anteriormente devido a essas medidas. Caso contrário, é possível que os gastos para a reconstrução do Rio Grande do Sul não afetem negativamente a trajetória da dívida ou que o mercado seja “tolerante” com essa ajuda.

A métrica atual de mensuração da dívida pública convencionada pelo mercado é a relação dívida bruta com o Produto Interno Bruto (dívida bruta/PIB), cujo último dado disponível é de março. E a relação estava em 75,7% e com tendência de alta. Isso por causa do crescente déficit nominal, especialmente após a decisão de realizar o pagamento de precatórios não pagos no governo anterior.

JUROS

A curva de juros foi pressionada no último mês, mas sem relação com a tragédia do Rio Grande do Sul. O movimento de alta nos juros é decorrente do adiamento do início do corte de juros dos EUA, mudança na condução da política monetária no Brasil com a sinalização de cortes menores na taxa Selic, além de desconfiança do equilíbrio fiscal pelo governo que envolve questionamentos anteriores às chuvas no sul.

“No caso do equilíbrio fiscal, o mercado vê com desconfiança o cumprimento da meta fiscal, especialmente após o governo federal modificar a meta para 2025, antes de um superávit primário de 0,5% para um déficit primário 0, o qual era a meta de 2024 e provavelmente não será cumprida, algo já precificado pelo mercado”, comenta o analista da Investing.com.

A tragédia no Rio Grande do Sul renovou a pressão do mercado para que o governo Federal reduzisse os gastos para o cumprimento da meta fiscal, em contraposição à política adotada neste governo em priorizar o aumento da arrecadação para financiar a alta dos gastos. Isso não afeta, no entendimento de Manzoni, a ajuda para o estado, mas os investidores enfatizam que, se o governo tivesse feito a “lição de casa” e poupado os seus recursos antes, o dinheiro para a reconstrução não elevaria a dívida e não traria risco para pressionar os juros futuros do país.

“E queria destacar algo, sem fazer nenhuma comparação negativa, só no sentido de aprendizado. Nos Estados Unidos, quando existem grandes catástrofes, e existem aqui talvez até com maior frequência do que no Brasil, em razão de existirem os furacões e tornados, as cidades se recuperam e são reconstruídas com muita rapidez porque o percentual de pessoas, empresas proprietários de imóveis e negócios, que contam com os mais diversos tipos de seguros é quase total. É muito raro conhecer alguém que tenha uma propriedade, uma casa, um prédio, um galpão, e não ter seguro. E esses seguros cobrem essas catástrofes naturais”, comenta Corano.

As próximas semanas vão revelar, além de cálculos mais assertivos sobre os recursos necessários para a reconstrução, como o governo federal vai financiar a ajuda ao Rio Grande do Sul e como os credores devem reagir a elas.