A capital dos gaúchos tem passado por dias inimagináveis. Em 3 de maio, as águas do Guaíba começaram a invadir a av. Mauá, uma das principais vias de acesso à Capital, e, quatro dias depois, já tinham chego até nos bairros mais distantes do lago, como Menino Deus e Cidade Baixa. Cercada por um sistema de proteção contra cheias que prevê a segurança da cidade para uma cheia de até 6 metros do Guaíba, os porto-alegrenses viram a cidade ser inundada antes mesmo do lago atingir o seu pico, em 5,39m.
A causa já é dada: falhas no sistema. Com comportas cedendo e as Casas de Bomba (CBs), responsáveis por drenarem a água da cidade, inundadas, o mecanismo de segurança não aguentou aquilo para o qual foi projetado.
Agora, enquanto as águas lentamente escoam de volta para o lago e operações são feitas para retomar o funcionamento das CBs, o entendimento de que o sistema contra cheias precisa de um aprimoramento, além de uma atualização, é evidente. Mas, para além disso, pontos importantes de harmonia entre a cidade e a natureza, que insiste em tomar o seu lugar novamente, precisam ser revistos. Especialista em Planejamento Urbano, o professor de arquitetura da Ufrgs, Eber Pires Marzulo, afirma que o passo inicial é “abrir espaço para a água”. O caminho rever os processos de represamento dos principais arroios da cidade e regenerar as matas ciliares ao redor, cuja capacidade de absorvição da água é enorme. O aumento dos bueiros (ou bocas de lobo), responsáveis pelo escoamento das águas que caem nas ruas, também é essencial
A substituição das grandes massas de asfalto que cobrem a Capital, apesar de improvável, é indicada, uma vez que esse tipo de solo não permite o escoamento da água e faz com que ela corra mais rápido. “É importante que quando a água que caia no solo que a maior parte dela seja drenada. Dá para usar paralelepípedo ou outras formas, não precisa voltar para o para o chão de terra. Mas (outras alternativas que não o asfalto) são muito mais permeáveis à água”, explicou.
Marzulo destaca ainda, no que diz respeito ao aprimoramento do sistema de prevenção, a necessidade de se trabalhar com projeções futuras, ao invés de índices históricos. Ele explica que, quando criado, em 1960, o sistema de proteção usava como parâmetros a cheia de 1941, que não chegou a 5m. Agora, no entanto, com o avanço escalonado do aquecimento global, o resultado são eventos climáticos cada vez mais extremos. Logo, a ideia é estar “preparado para o pior”. “É muito provável que a próxima inundação chegue a 6m. […] Agora, se tem uma curva que demonstra que, cada vez mais, os eventos ocorrem de modo mais intenso, particularmente o índice pluviométrico de chuvas”, afirmou.
“A tendência da curva não é quebrar. Se tem o grande evento, depois se tem um conjunto de eventos muito menores do que esse grande e isso prepara um novo evento que vai ser maior do que o último maior. Então, imagina se (esses temporais) são os últimos maiores, nós vamos estar falando da cota (de 6 metros) provavelmente sendo alcança em breve, em alguns meses ou quiçá anos. Não vai bastar atualizar ou modernizar o sistema de defesa, ele vai ter que ser ampliado e vai ter que ter mais mecanismos de absorção das águas nas áreas inundáveis”, explica.
O governo federal informou, através do ministro extraordinário de Reconstrução do RS, Paulo Pimenta, que pretende estudar e investir em aprimoramentos no sistema de segurança contra as cheias, como na elevação dos diques. Mas medidas sozinhas podem não ser suficientes. A prefeitura deverá contar com uma empresa de consultoria para ajudar na reconstrução da cidade, garantiu o prefeito Sebastião Melo (MDB). A companhia Alvarez & Marsal, que atuou no processo de recuperação de New Orleans após o Furacão Katrina, já está atuando dentro do Paço. No RS, a companhia participou como consultora no processo de privatização da Corsan.