“Eu fui mãe do Miguel até conhecer a Bruna, depois fui só genitora. Eu mereço ser condenada”, diz Yasmin para o júri

Mãe do menino confessou ter jogado o corpo de seu filho no rio Tramandaí em 2021

"Eu amo meu filho. Eu peço que ele me perdoe todos os dias" - Foto: Ricardo Giusti / CP

O interrogatório da mãe do menino Miguel, Yasmin Vaz dos Santos Rodrigues, trouxe detalhes sobre a morte do menino, a relação ruim com a madrasta com a criança e o descarte do corpo. Miguel foi morto aos sete anos em 2021 e seu corpo nunca foi encontrado. A ré decidiu apenas responder os os questionamentos da defesa. A mãe chegou a se emocionar ao confessar o crime para o júri. “Nada minimiza a minha dor. Eu fui mãe do Miguel até conhecer a Bruna, depois eu fui só uma genitora. Eu mereço ser condenada”, afirmou Yasmin.

Durante o relato, a outra ré, Bruna, não ficou no tribunal acompanhando o depoimento. Ela falou sobre o pai de Miguel, que não teria conhecido o filho, além da sua relação com a própria família. “Até eu conhecer essa pessoa, o Miguel é presente na minha vida em todos os momentos”, relatou, quando questionada pela própria defesa sobre como conheceu Bruna.

“Ela (Bruna) não queria nenhum tipo de contato com a minha família. Ela brigava com a minha mãe o tempo todo. A minha família tentava ser receptiva, mas ela nunca fez questão de nada. Era só eu e ela”, contou Yasmin sobre o comportamento de sua ex-companheira. A advogada de defesa também perguntou sobre uma briga que elas tiveram. “Ela era ruim com o Miguel”, completou.

Depois da briga, Yasmin conta que elas reataram. “Eu passei pano, ignorei tudo aquilo e fui ficando. Nisso, o Miguel ficou com a minha mãe no final de 2020. Eu morava na Restinga, em Porto Alegre, com ela (Bruna) e o irmão dela. Eu queria fugir de lá. Mas mais uma vez eu acreditei que eu poderia ter uma família. E foi isso que me convenceu a ficar”, apontou.

Relação com a madrasta Bruna

Em um momento do depoimento, Yasmin chorou ao falar da família e da sua relação com Bruna. “Tinham muitas brigas, mas depois tinha muito carinho. Ela me aceitava do jeito que eu era”, falou. Entretanto, momentos depois comentou sobre confrontos por questões financeiras. “Mas depois ela voltou falando que minha família não ia me querer e mais uma vez eu voltei e fiquei com ela”, completou.

“A minha família era o Miguel. Então era só ela (Bruna) se juntar à minha família”, citou Yasmin. Ela conta que Miguel voltou a morar com elas em fevereiro de 2021. “Com a chegada do Miguel, a minha relação com ela ficou tranquila. Mas no final de março eu tentei me matar, pois eu não tinha família. Eu não tinha nada. Era briga atrás de briga. Meu filho não tinha porque passar por aquilo”, relatou emocionada. “Mas mais uma vez eu fiquei, pois ela usou o fato de eu ser rejeitada e dela ter cuidado de mim. Ela disse que ficou com muito medo de me perder”, citou.

Após, ela explicou que mentiu ao contar para um amigo que tentava sair de Porto Alegre por causa de um tiroteio e, por isso, queria morar no litoral. “Quando eu tive oportunidade, eu falei que não ia ficar mais lá. E aí ela veio junto, como cuidadora do Miguel e minha cuidadora”, explicou.

Relação entre a madrasta e Miguel

Yasmin relatou também que, depois de um tempo, conseguiu um emprego em um restaurante e que passava o dia fora. “Mas de maio para frente, eu só consegui trabalhar como faxineira. Eu saía cedo e voltava no final da tarde”, lembrou. “Sempre tinha reclamação. Ela falava que o Miguel não sabia fazer tema da escola, que não era dedicado. Eu não quero tirar minha culpa, mas não era fácil lidar com tudo isso o dia inteiro”, afirmou.

“Em Porto Alegre, Bruna precisou de acompanhamento psicológico para se desvencilhar do abuso de medicamentos. E uma médica disse que talvez ela pudesse ser autista. E por isso eu sempre cuidei dela”, relatou. Yasmin ainda afirmou que Bruna tinha diversas personalidades. “Eu só sabia a diferença pelo tom da voz”, completou.

O dia da morte

Na quarta-feira, dia em que a advogada de defesa apontou como a data da morte do menino, ela cita que Miguel acordou “esquisito”, sem querer comer. “Eu fazia caldo de feijão e obrigava ele a comer. Nesse dia, ele não quis comer. Ele começou a reclamar de dor. Eu já tinha dado medicamento para ele. O Miguel começou a gritar. Hoje, eu deveria ter levado ele para o médico. Naquele dia eu não fiz isso. Eu dei remédio e continuei tentando dar comida para ele”, falou.

Em um momento de muita emoção, Yasmin deu detalhes da morte do filho. “Eu fiquei fora por no máximo 1h. Quando voltei, vi a Bruna sentada embaixo da mesa, em posição fetal. Quando eu vi aquilo, fui correndo atrás do Miguel. Ele estava todo roxo. Eu perguntei o que tinha acontecido e ela simplesmente disse que ele estava morto. Como é que eu iria para algum lugar e dizer que eu dei remédio e ele morreu? Ela veio com a mala e disse que a gente tinha que fazer alguma coisa. Eu coloquei ele lá e levei até o rio”, contou.

Trajeto até o rio Tramandaí

Ela confirmou que ela foi a responsável por colocar o filho dentro da mala e carregá-la durante todo o trajeto até o rio Tramandaí. “Naquele momento, o meu filho estava morto. Aquela mala era o caixão dele e eu não podia deixar ninguém mais carregar, pois a culpa era minha. O filho era meu”, completou.

“Ela me deu um chá e eu apague. Quando eu acordei, falei que eu tive um sonho horrível, que o Miguel estava morto. E eu me anestesiei porque ele sumiu. Para mim, só tinha sido um sonho ruim. Ela me disse que não foi um sonho e que o meu filho estava morto. Então eu falei que eu tinha que ir para a delegacia, pois eles tinham que achar o corpo do meu filho. Ele merecia um velório decente. Quando eu procurei o policial, eu queria que encontrassem o Miguel. ‘A água devolve’, era essa a teoria”, falou Yasmin sobre a busca por ajuda na delegacia de Tramandaí.

Questionamentos da defesa

A advogada de defesa questionou sobre a intenção de registrar o desaparecimento do filho na polícia. “Eu só queria chegar lá e que eles encontrassem o Miguel. Se eu fosse uma pessoa tão fria e calculista, eu não ia dizer que eu pesquisei no Google. Eu só queria que encontrassem ele”, apontou.

Perguntada sobre, na ocasião do depoimento, ter negado a participação da Bruna no crime, ela ressaltou: “Pediu para eu falar que ela ficava dentro do roupeiro. Eu perguntei o motivo, e ela disse que era só para falar isso e que ia dar certo. Eu acreditava que ela era autista, que precisava de cuidados e que não podia ficar presa. O meu motivo de vida não estava mais aqui, estava no rio. Independente do que aconteceria comigo, eu não queria que acontecesse nada com ela. Partindo disso, eu só contei a minha história”, afirmou.

A defesa questionou Yasmin sobre o comportamento da então companheira dentro de casa. “Não podia ter nada específico para o Miguel. Ela jogava tudo fora. Todas as roupas que a minha ex deu para ele, a Bruna consumiu com essas roupas”, falou. Perguntada os motivos de não relatar tais situações no depoimento para o delegado, Yasmin respondeu: “Meu maior medo é que a Bruna fosse presa. O que ela mais precisa é de cuidado médico”.

Yasmin relatou também quando deixou de ajudar Bruna. “Foi quando eu estava presa em Torres que eu descubro tudo, que o Miguel ficava trancado. A minha mãe começou a me informar coisas e foi me contando cada atrocidade. E aí eu percebi que não tinha motivo para proteger a Bruna, pois ela não me protegeu em momento algum. Toda a responsabilidade da morte do meu filho é minha, pois eu deixei ele ficar com a Bruna. Eu sou um monstro”, citou.

“Eu amava meu filho. Eu amo meu filho. Eu peço que ele me perdoe todos os dias. Eu só queria que ele me perdoasse por ter sido omissa, por ter sido fraca. Nada minimiza a minha dor. Eu fui mãe do Miguel até conhecer a Bruna, depois eu fui só uma genitora. Eu mereço ser condenada”, finalizou Yasmin.