Poucos sabem, mas centenas de cães e gatos vítimas de abandono encontram lar no sistema prisional gaúcho. São animais, em geral vira-latas, resgatados por trabalhadores nas unidades. Do resgate nascem laços de carinho com servidores que, inconsoláveis, protestam contra a remoção dos pets determinada pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe).
A ordem de despejo está prevista em uma normativa de 2023. Na publicação, fica estabelecido que animais resgatados devem ser expulsos, tanto do interior como da área externa dos presídios.
Um dos motivos, diz o texto, seria evitar transmissão de doenças ao plantel do Grupo de Operações com Cães. A norma ainda estabelece que os vira-latas sejam removidos a entidades especializadas, com as quais a Susepe alega manter contato.
Animais comunitários
Ocorre que a remoção dos vira-latas é ilegal, afirma Cláudia Azevedo, que é voluntária da ong SOS Operação Nazário.
De acordo com ela, os cães acolhidos são animais comunitários. A classificação é respaldada na Lei 15.254, assinada pelo governador Eduardo Leite em 2019.
O texto estabelece que cães e gatos que nutrem vínculos de dependência com a comunidade onde vivem recebam cuidados, nos mesmos locais em que se encontram.
“A ordem da Susepe é ilegal. O cuidado, quando é dividido por várias pessoas, caracteriza animais como sendo comunitários. Os vira-latas que vivem nos presídios são amparados pela legislação. Se as prisões são do Estado, qual sentido da Susepe contrariar uma lei estadual?”, questiona Cláudia, que também é servidora do IGP.
Vira-latas em Charqueadas
A lei se aplicaria ao Complexo Prisional de Charqueadas, onde servidores afirmam custear, com recursos próprios, a alimentação dos vira-latas. Eles também garantem que os bichos são vacinados, medicados e castrados.
Os funcionários contam ainda que a falta de verbas obriga tutores a custearem despesas dos cães de trabalho. A Susepe nega a afirmativa, reforçando que arca com a manutenção do plantel.
O órgão também alega que vira-latas latem com a chegada dos grupos táticos, alertando detentos sobre operações. Conforme os servidores, no entanto, os presos já conhecem o barulho dos ônibus usados nas ações, o que diminui o efeito surpresa. Por isso a maioria das apreensões, dizem, são feitas em revistas pontuais.
Por fim, chama atenção que, em 2017, a Susepe exaltava a construção de um ‘cãodomínio’, feito por apenados na Penitenciária Estadual de Charqueadas. A ideia era oferecer abrigo a cães vindos da rua.
“O convívio com os animais trabalha a liberação do estresse, principalmente a afetividade, que é salutar para o desenvolvimento de um serviço público de boa qualidade para a sociedade”, ressaltou a psicóloga Débora Oliveira, na ocasião.
Na contramão do divulgado à época, a instituição agora afirma que não é viável a utilização de vira-latas para ressocialização. Além disso, diz a Susepe, os cães resgatados também ofereceriam risco à saúde dos funcionários.
O que diz a Susepe
Qual o motivo da remoção de cães que não sejam os de trabalho?
A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) informa que nenhum cachorro comunitário está sendo removido arbitrariamente dos estabelecimentos prisionais. Constantemente, cães são abandonados em frente às unidades e, embora a Susepe não tenha expertise e nem competência técnica para abrigo de cães não treinados, há um esforço, sobretudo dos servidores, no encaminhamento de animais a órgãos e ONGs específicos para esse tipo de cuidado. Importante destacar, ainda, que os estabelecimentos prisionais não são espaços adequados para a permanência de animais sem treinamento, devido à grande circulação de pessoas e pela natureza do trabalho. Além disso, cães comunitários são potenciais portadores de zoonoses, endoparasitas, ectoparasitas, entre outras doenças caninas que podem ser transmitidas tanto aos servidores quanto ao plantel de cães de trabalho da instituição, que atuam em operações de revistas gerais.
O que fazer com cães comunitários que já existiam nos estabelecimentos antes da publicação da nova instrução normativa?
A Susepe, através de suas delegacias regionais, mantém contato com instituições, entidades e organizações não-governamentais, que auxiliam a instituição na destinação correta destes animais, para adoção e também castração. A instrução normativa orienta que os cães já existentes nos estabelecimentos, que não sejam de trabalho, sejam encaminhados aos locais com competência para esse tipo de cuidado.
Servidores alegam que os cães vira-latas podem ser usados na ressocialização. Procede?
Atualmente não há nenhum projeto em execução com essa finalidade. Além das questões já mencionadas anteriormente, de risco à saúde aos cães de trabalho e aos servidores, não é viável a utilização de cachorros para esse objetivo.
Susepe fornece medicamentos e atendimento veterinário aos cães de trabalho ou na maioria das vezes os servidores arcam com os custos?
A Susepe adquire, anualmente, vacinas, vermífugos e medicamentos básicos necessários para a manutenção do seu plantel de cães de trabalho, conforme calendário profilático. Caso haja a necessidade de algum atendimento específico, o atendimento é fornecido em clínica veterinária e, posteriormente, são realizados os trâmites administrativos para que a instituição arque com as custas necessárias para o tratamento.
Cães comunitários prejudicam ou auxiliam na vigilância? Servidores dizem que eles dão sinais quando percebem movimentos ou barulhos anormais.
Cães comunitários não são utilizados nas rotinas prisionais. Inclusive, quando as operações são realizadas, cães que ficam soltos em frente às casas prisionais latem com a chegada dos grupos táticos e alertam os internos sobre a movimentação atípica que está ocorrendo do lado externo do estabelecimento, prejudicando, assim, o efeito surpresa, que é muito importante para a efetividade e o sucesso das ações no âmbito prisional.
Susepe fornece itens de profilaxia aos cães comunitários e de trabalho? Como itens de prevenção ou atenuação de doenças.
À Susepe compete apenas o cuidado com os cães de trabalho integrantes do plantel canino, que são patrimoniados. E conforme orienta a normativa, o encaminhamento dos demais animais para abrigos ou instituições competentes.