Cais Mauá: arquiteto aponta impacto à paisagem em sistema contra cheias proposto em concessão

Edital de concessão da área prevê derrubada do muro e substituição por modelo que inclui dique móvel

Conjunto de armazéns visto do rio é traço característico da paisagem da cidade, diz Eber Marzulo | Foto: Mauro Schaefer / CP

O leilão de concessão do Cais Mauá à iniciativa privada, marcado para dezembro, prevê alterações na paisagem característica dessa área intimamente ligada à história de Porto Alegre. Entre as mudanças previstas estão a construção de prédios e a substituição do muro da Mauá por um novo sistema de contenção contra as cheias.

O modelo proposto pelo governo do RS prevê uma barreira fixa, com um passeio elevado em 1,26, formando uma arquibancada de frente para o rio, além de um sistema complementar, formado por um dique móvel, a ser instalado em cheias de maior impacto. A ideia é que se mantenha a proteção na mesma altura do muro.

O sistema envolve questões logísticas e demanda a disponibilidade de equipes para armazenamento, transporte, montagem e desmontagem em caso de enchente do Guaíba. Um estudo avaliou quatro modelos de diques móveis, dois com preenchimento com água e dois montáveis.

Novos sistema precisam ser testados, cobra arquiteto
O arquiteto e docente da Ufrgs, Eber Pires Marzulo, vê dois problemas principais na substituição do muro. Um deles é a necessidade do novo sistema ser testado, para garantir que a proteção se manterá.

“O sistema que foi instalado em 1971 passou por três testes nos últimos oito anos e isso tende ocorrer mais sistematicamente e com maior intensidade, em função dos eventos climáticos extremos. Qualquer outro sistema teria que passar por testes rigorosos. Além do que, o Guaíba tem condições muito particulares, com características de delta de rio e de lago, e a extensão da barreira seria longa”, afirma.

O estudo de viabilidade técnica prevê que, antes da retirada do muro, o novo sistema passe por uma testagem completa, incluindo manutenção, armazenamento, transporte e montagem.

Interferência na imagem da cidade

Outra questão “não menos grave”, avalia Marzulo, é o impacto à paisagem da cidade. “É um traço característico muito importante. Uma das imagens fortes que a cidade tem é o conjunto de armazéns visto do rio. Com o sistema proposto, aquilo sofre interferência, porque sobe uma boa altura em relação aos armazéns.”

Uma das alternativas discutidas para viabilizar a ocupação dos armazéns com o muro é a elevação do piso dos armazéns ou a construção de um piso móvel.

Os armazéns de volta à cultura

O coletivo Cais Cultural Já e o projeto de extensão Ocupação Cais Mauá Cultural, da Ufrgs, defendem que os armazéns A1 e B1 e o pórtico, que são patrimônios protegidos pelo Iphan, se mantenham sob controle público e sejam destinados a atividades culturais. O docente de arquitetura, que também integra o Ocupa Cais Mauá Cultural, argumenta que esta já era a finalidade dos armazéns desde o declínio da atividade portuária até o fechamento do Cais à população, em função do projeto de concessão.

“A questão, nesse momento, é garantir que os armazéns para uso cultural e sendo públicos, independente do edital ter ou não interessados. Tendo interessados, até a efetivação do negócio, tem muita água para correr”, aponta.

Marzulo coordena um projeto de extensão na Ufrgs criado para avaliar a viabilidade da ocupação dos armazéns para fins culturais. O professor recorda que somente a Feira do Livro movimentava os armazéns cerca de 30 dias por ano e que a Bienal promovia atividades durante 60 dias a cada dois anos na área. “Há viabilidade e Porto Alegre tem movimentação cultural capaz de usar sistematicamente a área”, conclui.

Resultado da concessão será conhecido em 21 de dezembro
Os consórcios empresariais interessados na área devem apresentar suas propostas até o dia 14. Os envelopes serão abertos no dia 21. No fim de 2022, outro leilão não atraiu interessados.

O novo edital prevê investimentos de R$ 353,3 milhões para revitalização e qualificação da área e investimentos totais de R$ 556,6 milhões ao longo de 30 anos.

Em contrapartida, o vencedor do leilão poderá construir até nove torres comerciais e residenciais na área das docas e edificações comerciais em área próxima ao Gasômetro. Uma das alterações nas características da área previstas no edital é a derrubada de parte do muro da Mauá e a criação de um novo sistema de prevenção contra enchentes.

Nota de repúdio ao edital

Logo que o edital foi publicado, em setembro, o coletivo Cais Cultural Já e o projeto de extensão Ocupação Cais Mauá Cultural, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), emitiram uma nota com considerações a respeito do documento.

A nota também cita que no edital anterior estavam previstos 90 dias por ano destinados ao uso público por parte do Estado, já no atual estão previstos 30 dias ao ano.

Outra preocupação é a preservação dos armazéns, regulamentadas por uma portaria do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) de 2016. O texto aponta que não há clareza no edital a respeito da área no entorno dos armazéns, onde há restrições para construção e colocação de anúncios ou cartazes que interfiram nas paisagens desses edifícios, em função do tombamento.