As forças policiais estão em alerta com as possíveis consequências do rompimento entre três das principais lideranças do crime organizado em Porto Alegre. O motivo da desavença seria a união de traficantes em torno de uma facção emergente chamada ‘Família do Sul’. Dois dos chefes do narcotráfico, um que controla a venda de drogas no bairro Glória e outro, na Vila Jardim, concordam com a unificação. No entanto, a proposta enfrenta oposição de um terceiro criminoso, esse líder de uma facção com base na Vila 27, na região da Vila Cruzeiro do Sul.
Conforme a apuração do Correio do Povo, a discordância sobre essa união colocou em risco a vida de André Vilmar Azevedo de Souza, o ‘Nego André’. Por essa razão, ele acabou sendo transferido para uma cela na ala de isolamento da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), onde cumpre mais de 34 anos de pena.
Antes do início das divergências, o criminoso da Vila Cruzeiro era bem quisto nas galerias 3 e 4 do pavilhão B, onde estão seus ex-aliados, sendo um deles Jackson Peixoto Rodrigues, o ‘Nego Jackson’. Acumulando mais de 37 anos de condenações, o traficante do bairro Vila Jardim, na zona Norte, é apontado como o principal articulador da Família do Sul. Outro antigo comparsa de André alojado nesse pavilhão é Leonardo Ramos de Souza, o ‘Peixe’, que, além do bairro Glória, também domina o tráfico no bairro Cascata, na zona Sul.
Peixe e Nego Jackson chegaram a cumprir pena na Penitenciária Federal de Porto Velho, em Rondônia, para onde foram enviados em 2017. Três anos depois, quando retornaram para a Pasc, teriam começado a formar as bases da nova organização criminosa.
A coalizão formaliza uma aliança que já existia e que, até então, ainda contava com o apoio de Nego André. Essa junção ocorria desde 2016, quando os criminosos decidiram se unir e fazer frente ao poder bélico de um quarto grupo, esse com origem no bairro Bom Jesus, na zona Leste.
De acordo com relatórios da Segurança Pública, a dupla se voltou contra Nego André pelo fato dele não aceitar a participação de um antigo rival na Família do Sul. O pivô do desentendimento seria Maicon Donizete Pires dos Santos, o ‘Red’, que está foragido. Inimigo histórico de Nego André, ele tomou conta do tráfico no bairro Mário Quintana, após romper com a facção da Bom Jesus, sendo também protagonista de uma guerra na zona Norte.
Uma mensagem atribuída à Família do Sul nas redes sociais, divulgada no final de setembro, sugere um convite para que inimigos abandonem divergências. “O muro está baixo. Quem quiser fechar [se unir], pula [para o nosso lado] enquanto tem tempo. Estamos abraçando os amigos. Vem que vai ser tudo no respeito, humildade e disciplina”, diz a postagem. O recado ainda destaca que Red é um desses rivais que passara a se tornar aliado.
Mesmo que ainda não tenha tomado as galerias, a organização criminosa emergente tem se movimentado nas casas prisionais. O fato foi confirmado pelo major Glenio Daison Argemi Filho, diretor da Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ), que não quis dar mais detalhes. “Posso dizer que espaço em galerias prisionais significa mais dinheiro e recursos para as facções. Por isso que os criminosos encaram as cadeias com tanta prioridade”, sintetizou.
A união dos traficantes também ocorre fora dos presídios, nas zonas Sul e extremo-Sul da Capital. De acordo com o major Fabiano Henrique Dorneles, comandante do 21º BPM, a nova facção está sendo monitorada pelos soldados em policiamento ostensivo.
“O monitoramento das organizações criminosas é constante, pois os traficantes estão mais voláteis, não permanecendo mais tanto tempo em uma mesma facção”, afirmou o major. “A união de uma facção com outra faz com que aliados se tornem inimigos, e vice-versa. Essas lutas internas resultam no aumento de mortes e dos crimes em geral”, concluiu
Procurado pela reportagem, o chefe da Polícia Civil, delegado Fernando Antônio Sodré, informou que a corporação está atenta e acompanhando, já há algum tempo, os desdobramentos dos fatos narrados. Sodré também afirmou que as investigações de todas as questões apontadas continuam em andamento e que operações baseadas nesses investigações já foram deflagradas, sempre em conjunto e coordenadas com a Brigada Militar.
“Mandados de prisão preventiva já foram decretados pelo Poder Judiciário”, enfatizou o chefe de Polícia. “Todas as investigações visam responsabilizar os envolvidos em fatos criminais relacionados ao conflito desses grupos criminosos, bem como buscam a imputação criminal pelos ilícitos praticados”, destacou o delegado.
A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) evitou comentar o assunto.