Câmara aprova taxação de ‘super-ricos’, mas com alíquota menor do que a proposta pelo governo

Com o texto, Fazenda busca aumentar arrecadação; texto segue para o Senado

Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados/Divulgação

Por 323 votos a favor, 119 contra e uma abstenção, a Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira o projeto de lei de taxação dos chamados “super-ricos”. A proposta antecipa a cobrança de Imposto de Renda de fundos exclusivos e passa a taxar aplicações em offshores, empresas que existem para abrigar investimentos fora do país.

Após a votação do texto principal, todos os destaques foram rejeitados, e a proposta segue, agora, para o Senado.

Inicialmente prevista para terça-feira, a votação do projeto, que vinha trancando a pauta da Câmara desde o dia 14, só ocorreu nesta quarta – dia em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou a nomeação de Carlos Antônio Vieira Fernandes para a presidência da Caixa Econômica Federal. Ele entra no lugar de Rita Serrano, que deixou o cargo.

O projeto, apesar de aprovado, sofreu várias alterações. O relator, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), concordou em elevar, de 6% para 8%, a alíquota para quem antecipar, tanto nos fundos exclusivos como nas offshores, a atualização de valor dos rendimentos acumulados até agora. Originalmente, o governo havia proposto 10%.

Em relação às offshores, o relator fixou uma alíquota linear de 15%, enquanto o governo defendia originalmente alíquotas de 0% a 22,5% conforme o rendimento anual. O relator alegou que a diferença de alíquotas entre os fundos exclusivos de longo prazo (15%) e os 22,5% para as offshores, como propunha o governo, trazia risco de gerar efeito contrário, provocando fuga de capitais do Brasil, com super-ricos mudando de domicílio fiscal.

Impacto
As mudanças farão o governo arrecadar menos que o previsto. Pela proposta original, o governo tinha a pretensão de reforçar o caixa em R$ 20 bilhões em 2024 e em até R$ 54 bilhões até 2026. A equipe econômica ainda não divulgou uma estimativa de receitas com as novas votações.

O governo precisa reforçar o caixa em R$ 168 bilhões para cumprir a meta de zerar o déficit primário em 2024, conforme estipulado pelo novo arcabouço fiscal, aprovado no fim de agosto pelo Congresso. A tributação dos super-ricos representa uma das medidas mais importantes para obter receita extra.

Fundos agrícolas e imobiliários
O relator da proposta ainda fechou um acordo com a bancada ruralista sobre o aumento no número de cotistas nos Fiagros, fundos de investimento em cadeias agroindustriais. O número mínimo de cotistas para que os Fiagros e os fundos de investimentos imobiliários, regidos pela mesma legislação, obtenham isenção de Imposto de Renda, saltou de 50 para 100.

O governo tinha proposto mínimo de 500 cotistas e, na semana passada, havia feito uma contraproposta de 300. O relator também criou uma trava para limitar as cotas entre parentes a 30% do patrimônio líquido do fundo, incluindo parentes de segundo grau.

Pedro Paulo também acatou uma sugestão para que empresas que operem no país com ativos virtuais, independentemente do domicílio, passem a ser obrigadas a fornecer informações periódicas das atividades e dos clientes à Receita Federal e ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão que combate a lavagem de dinheiro.

Definições
Instrumentos personalizados de investimentos, com um único cotista, os fundos exclusivos exigem pelo menos R$ 10 milhões de entrada e taxa de manutenção de R$ 150 mil por ano. Atualmente, apenas 2,5 mil brasileiros fazem aplicações nesses fundos, com patrimônio atual de R$ 756,8 bilhões – 12,3% da indústria de fundos no país.

Atualmente, o governo cobra Imposto de Renda (IR) dos fundos exclusivos, mas apenas no momento do resgate e com tabela regressiva: quanto mais tempo de aplicação, menor o imposto. O governo quer igualar os fundos exclusivos aos demais fundos de investimento, com cobrança semestral de IR conhecida como “come-cotas”. Além disso, quem antecipar o pagamento do imposto paga alíquota mais baixa.

Em relação à taxação das offshores, o governo quer instituir a tributação de trusts, instrumentos pelos quais o investidor entrega os bens para terceiros administrarem. Atualmente, os recursos no exterior são tributados apenas e se o capital retorna ao Brasil. O governo estima em pouco mais de R$ 1 trilhão (pouco mais de US$ 200 bilhões) o valor aplicado por pessoas físicas no exterior.

Riscos de judicialização
Segundo especialistas, apesar de o governo afirmar que a taxação dos fundos representa justiça tributária, alguns pontos da proposta podem ser discutidos no Judiciário. Entre eles, o que tributa a renda antes do recebimento pelo contribuinte.

Caio Caputo, advogado especialista em direito societário, avalia que a tributação pode ser questionada, uma vez que pode afetar o direito à propriedade e o princípio da anterioridade tributária.

Na mesma linha, o tributarista Leonardo Roesler alerta que a medida precisa ser adequadamente fundamentada para não gerar uma corrida à Justiça. “A proposta de taxar lucros acumulados até 2023, caso não seja adequadamente fundamentada e harmonizada com os princípios constitucionais, pode ensejar um aumento significativo de demandas judiciais, com os contribuintes buscando assegurar seus direitos e contestar a eventual medida considerada abusiva ou inconstitucional”, comenta.

Luis Claudio Yukio Vatari, advogado especialista em direito tributário, concorda que o trecho precisa ser mais discutido. No entanto, argumenta que mesmo assim os fundos exclusivos ainda serão atrativos para investidores. “Os fundos exclusivos ainda terão uma atratividade, sim, dos pontos de vista organizacional, de compliance e de sucessão. Mas é claro que, com a tributação sugerida, passa-se a ter menos adesão”, considera.