Ofensiva contra facção responsável por ataques na zona Sul de Porto Alegre prende 49

Grupo liderado pelo traficante 'Sapo' é responsável por morte de adolescentes no bairro Cascata

Foto: Polícia Civil / Reprodução

Um carro passando e atirando a esmo pelas ruas de Porto Alegre. Foi assim que o diretor do Departamento de Homicídios (Dhpp), delegado Mario Souza, recontou o ataque que vitimou os irmãos Marina Maciel dos Santos, de 16 anos, e João Francisco Maciel dos Santos, de 14, no dia 19 de abril, no bairro Cascata, na zona Sul.

Ainda segundo ele, os autores dos disparos são integrantes de uma facção originada no bairro Bom Jesus, na zona Leste, mas que também criou ramificações na zona Sul. Na data do crime, explica Souza, cinco traficantes guiavam um Ford Ecosport na avenida Herval, à procura de rivais. Quando não os encontraram, resolveram disparar contra moradores da região.

O atentado, além da morte dos irmãos, também deixou outro adolescente, de 17 anos, e um casal baleados, sendo que os três sobreviveram. Nenhuma das vítimas tinha envolvimento com o tráfico de drogas.

“Eles passavam pelas ruas atirando, matando pessoas inocentes. Essa violência entre facções transbordou e acabou matando dois jovens”, afirmou o diretor do Dhpp. “A facção que autorizar esse tipo de coisa em Porto Alegre terá resposta. Não vamos aceitar isso. Esse é o motivo de, além dos cinco executores, outros envolvidos também terem sido alvo da operação.”

Souza se referia à Operação Per La Madre – ou ‘para a mãe’, em português – deflagrada nesta terça-feira, cumprindo 66 mandados de prisão em 137 ordens de busca e apreensão. As diligências ocorreram nas cidades de Porto Alegre, Canoas, Cachoeirinha, Alvorada, Viamão, Sapucaia do Sul, Gravataí, Parobé, Capivari do Sul, Charqueadas e Arroio dos Ratos, abrangendo também a capital catarinense Florianópolis. A ação contou com a participação de 600 policiais civis, militares e penais.

Até o momento desta publicação, 49 alvos já haviam sido presos. Além disso, foram apreendidos 130 quilos de maconha, sete quilos de crack e cocaína, um simulacro de fuzil, quatro pistolas 9 milímetros – de uso restrito – e três revólveres calibre .38.

De acordo com a delegada Clarissa Demartini, titular da 1ª DP de Homicídios, o grupo foi identificado após equipes do Instituto-Geral de Perícias (IGP) encontrarem digitais em um coquetel molotov, localizado dentro do Ecosport, que fora abandonada pelos criminosos. “O molotov provavelmente seria utilizado para destruir o veículo e eliminar provas. Ou até mesmo para a realização de outro ataque”, disse ela.

Clarissa destaca ainda que, a partir da identificação, foi constatado que o grupo também participou de um atentado, no dia 15 de maio, na rua Francisco Martins. Dessa vez, eles guiavam um Chevrolet Prisma branco e com placas clonadas, quando uma idosa foi baleada no ombro. Ela sobreviveu.

Quinze dias depois, utilizando o mesmo veículo, eles efetuaram mais um ataque a tiros contra uma loja de conveniência, também no bairro Cascata. “Cerca de 30 pessoas, nenhuma delas envolvidas com o crime organizado, estavam no local. Ninguém foi atingido”, relatou a delegada.

As investigações ainda revelaram que, no dia 12 de setembro do ano passado, a facção também determinou o ataque a tiros contra uma barbearia, que vitimou Eliezer Samuel Lucas, de 12 anos. O barbeiro Edgar Rodrigues Lisboa, 26, também morreu, atingindo pelos disparos enquanto tentava proteger o menino.

Modus operandi

Por mais que as vítimas desses crimes pareçam ter sido atingidas de forma aleatória, Clarissa Demartini, explica a logística dos ataques. Antes dos crimes serem efetivamente realizados, um criminoso se infiltrava no bairro Cascata com uma câmera e registrava imagens que, posteriormente, eram enviadas para os líderes da facção, que cumprem pena no sistema penitenciário.

“Na gíria do crime, o responsável por fazer esse tipo de filmagem é chamado de drone”, destacou ela. “ As imagens eram enviadas para dentro das cadeias, onde eram analisas pelos líderes, que planejavam e determinavam os pontos em que os ataques seriam feitos.”

Ainda segundo Clarissa, após os líderes da facção terem decidido onde os atentados ocorreriam, tinha início a segunda etapa do plano. A partir de então, um grupo de criminosos se reunia em um local pré-determinado, onde seguia de carona com outro integrante da facção, que guiava um carro roubado e fazia o papel de motorista. O condutor era o encarregado por levar os comparsas até a área onde aconteceria o ataque e, também, por retirá-los do local, uma vez concretizado o plano.

Após a execução dos atentados, motorista e executores seguiam para outro local, chamado por eles de “base”. Ali o  veículo era abandonado e, por vezes, incinerado. “Isso dificultava o monitoramento deles, uma vez que se desfaziam do carro utilizado nos ataques”, disse Clarissa.

Quem é o líder da facção 

No grupo que engloba os 66 alvos da operação deflagrada nessa manhã, estão incluídos detentos da Penitenciária Estadual de Sapucaia do Sul e da Penitenciária Estadual de Arroio dos Ratos. Esses criminosos, contudo, atuariam como gerentes da facção, e não como líderes.

O comandante do esquema é apontado como sendo Rafael Telles da Silva, o ‘Sapo’. Ele foi alvo de uma ordem de prisão preventiva, mesmo já cumprindo pena na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc).

Sapo é tido como um dos membros mais antigos da facção, atuando no grupo desde 2007.

Em setembro do ano passado, ele chegou a ser enviado para o Sistema Penitenciário Federal, mas retornou ao Rio Grande do Sul no início do ano, permanecendo na mesma penitenciária de outro fundador da organização criminosa, Fábio Fogassa, o ‘Alemão Lico’.

Com extensa ficha criminal, Sapo responde por nove homicídios, além de tráfico de drogas, associação ao tráfico, organização criminosa, entre outros.

Ele começou a cumprir a pena em regime fechado na Penitenciária Estadual do Jacuí, em 2012, de onde coordenava a distribuição de drogas para a facção. Após uma passagem pela Pasc, progrediu para o semiaberto, em outubro de 2013, com o direito a cumprir prisão domiciliar.

Foi levado novamente, em maio de 2014, para o então Presídio Central, e permaneceu controlando o tráfico de drogas, antes de ser enviado para o sistema federal e retornar para a Pasc.