Levantamento aponta que em sete meses Porto Alegre registrou 1.253 ocorrências por posse de drogas

Até o momento, há cinco votos pela inconstitucionalidade da criminalização do porte de maconha para consumo próprio

Foto: Ricardo Giusti / Correio do Povo

Atualmente sendo discutido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) o tema da posse de drogas ganhou força pelo país. Até o momento, há cinco votos pela inconstitucionalidade da criminalização do porte de maconha para consumo próprio e um voto que considera válida a previsão do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006). Conforme dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP), obtidos através da Lei de Acesso à Informação, foram registradas 1.253 ocorrências policiais por posse de entorpecentes, no período entre janeiro e julho de 2023, em Porto Alegre.

Entre os bairros da Capital que possuem maior número de registros estão o Centro Histórico, Restinga, Praia de Belas, Humaitá, São João e Vila João Pessoa. Sobre o assunto a reportagem conversou com um jurista e com o diretor do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico. As opiniões sobre o tema posse de drogas são divergentes, porém, ambos concordam que esta não é uma matéria que o STF deveria estar julgando.

Opinião da Polícia Civil

O diretor do Denarc, delegado Carlos Wendt, explica que para o agente de Segurança a legislação é clara, na hora de distinguir o usuário do traficante. Conforme o delegado da Polícia Civil, existem uma série de fatores, como por exemplo, a quantidade da droga, o contexto em que a droga foi apreendida, antecedentes do indivíduo. “No momento da abordagem, seja o agente civil ou militar, ele deve pegar o indivíduo, a droga, conduzir até um delegado de polícia, para que ele com base nos fatores decida se vai registrar a ocorrência por posse, para uso de drogas, ou se irá lavrar um flagrante por posse de drogas”, detalhou Wendt.

No cento do debate do STF está a possibilidade de reinterpretação da legislação já em vigor para uso e tráfico de drogas, a lei 11.343/2006, que estabelece que a posse de drogas é crime, embora não seja passível de punição com prisão. Os ministros da suprema corte discutem uma quantidade determinada para distinguir o usuário do traficante. Na atual legislação não existe quantidade determinada, e este fato motivou o julgamento no Supremo Tribunal Federal, pois em 2009, um usuário foi preso com 3g de maconha, tendo justificado que a roga se destinava para uso pessoal.

“As vezes o indivíduo pode ter 3g de maconha e pode estar vendendo. Então não é a quantidade que vai dizer, e por isso que nos preocupa um pouco essa decisão do STF. O que eles costumam fazer nos pontos de tráfico, costumam estar com pouca droga no bolso, para caso sejam abordados eles não tenham um grande prejuízo. O que deve distinguir a mercancia do uso, não é a quantidade, mas a série de fatores que a própria lei já traz. Inclusive essa é uma das críticas do Senado, que cabe ao Legislativo fazer essa definição através de lei”, revelou o delegado.

Ao ser questionado pela reportagem se existe outra forma, além da discutida pelo STF, de facilitar a diferenciação entre o usuário e o traficante, o delegado usou o exemplo de outros países para explicar seu ponto de vista. “Eu tenho uma posição contrária à liberação da posse de drogas para consumo. Um país bem próximo aqui, o Uruguai, pacato, um país pequeno, sempre teve a Segurança sob controle, depois que a maconha foi liberada nós vimos uma disparada na violência, principalmente em números de homicídios”, opinou.

O que dizem os juristas?

A Lei 11.343, de 2006, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, diferencia o usuário do traficante. O artigo 28 fala quem é o usuário, que poderá ser submetido a penas como advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade; e/ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Já no artigo 33, trata-se de quem trafica entorpecentes, estando sujeito a penas como reclusão de 5 a 15 anos e pagamento de 500  a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Para o advogado Criminalista, e Mestre em Direito, José Paulo Schneider, a lei de 2006 está defasada e buscou diferenciar o usuário do traficante, mas sem critérios objetivos, como a quantidade, por exemplo. “O grande problema desta lei é que ela buscou diferenciar os dois casos, porém, sem os critérios objetivos. Ela criminaliza o usuário, pois embora ele não esteja sujeito a uma pena privativa de liberdade, está sujeito a penas educativas, podendo estar sujeito a ser reincidente. Então, se o sujeito tem problemas com a dependência do uso de drogas, se ele for pego novamente, ele poderá ter antecedentes e até ser reincidente. Então essa é a grande questão”, opinou o jurista.

O advogado explica que na ausência da quantidade faz com que o agente da Segurança, interprete a lei de acordo com a sua opinião. “Como a lei não traz critérios objetivos, acaba ficando muito na subjetividade do policial responsável pelo flagrante, do delegado que recebe este flagrante, ou até mesmo do juiz que depois vai receber essa prisão, esse inquérito, e isso vai ser processado. Hoje o que temos é o critério subjetivo, e ai que temos a grande questão: para uma determinada pessoa, 50g de maconha pode ser considerado traficância, e para outro profissional, ele pode entender que aquilo é para consumo pessoal. Esse é o grande problema, a ausência de requisitos objetivos na lei que norteiem esse profissional da Segurança que irá atuar”, detalhou.

Para Schneider, é necessário uma atualização na lei de drogas, porém, esse papel não pertence ao STF. “A política de drogas no nosso país já se mostrou deficitária. Prende, mas prende mal. Prende pessoas que são usuários ou pequenos traficantes, e não consegue muitas vezes, chegar nos grandes comerciantes de drogas. Ela traz um ranço racial e de diferenciação de classes, e estamos a mercê de uma legislação que seja objetiva, que não penalize aquele doente, aquela pessoa adoecida pela droga, e sim, que busque o responsável por isso. Porém, essa discussão não deveria ser de competência do Supremo, mas sim do Congresso Nacional”, enfatizou.

Até o final do mês de setembro deverá ser encerrado o julgamento para afastar a criminalização da maconha para consumo próprio.