Moradores do Centro Histórico de Porto Alegre protestaram, nesta segunda-feira, contra um projeto de lei complementar da Prefeitura que desafeta – ou seja, vende propriedade pública para outro ente – a Praça da Família Imigrante, na rua Riachuelo, quase esquina com a Caldas Júnior. O prefeito Sebastião Melo protocolou o texto em 30 de junho, e a votação era prevista para esta segunda-feira na Câmara Municipal, o que espantou comerciantes e frequentadores. Os manifestantes alegaram falta de diálogo sobre o assunto. Após o protesto, Melo pediu a retirada da proposição da pauta de votações.
O projeto aliena a praça à empresa Machado Paiva Participações Ltda., proprietária do Edifício Tuyuty, localizado na esquina das duas vias e utilizado pelo Registro de Imóveis da 1ª Circunscrição Imobiliária de Porto Alegre. Os moradores e a prefeita da praça, a comerciante Marcia Quatrin Peripolli, dizem que o cartório prevê cortar árvores e descaracterizar a paisagem existente. Hoje, a praça, cercada, conta com um portão, aberto de segunda a sábado, das 8h às 19h. De acordo com os moradores, o edifício Marília, que fica no outro lado da praça, custeou o cercamento.
“Este processo afeta principalmente na biodiversidade. Nosso espaço já é pequeno, e a ideia é que haja uma construção de mais de 100 metros quadrados, fazendo da praça um canteiro de obras. Queremos um diálogo com esta nova empresa e o cartório que está vindo para cá”, comenta Marcia. Ela conta que, no início da proposta, em 2021, se mostrou favorável ao projeto porque a Machado Paiva havia prometido fazer melhorias na praça e manter o diálogo com os moradores, o que não aconteceu.
“Mandei e-mail no ano seguinte a um funcionário do cartório falando das nossas ideias de parceria, mas nunca tivemos um retorno. Pensamos, então, que o prédio não tinha sido comprado. Na sexta-feira, para nossa surpresa, vimos que a venda deste pedaço da praça estava para a votação hoje. Nos assustamos, porque, depois que tiverem a posse, vão poder fazer o que quiserem. Não digo que agiram de má-fé, só estamos esperando o diálogo”, acrescentou Marcia. A Prefeitura, no projeto de lei, busca desafetar uma área de 60,9 metros quadrados, avaliada em R$ 154 mil.
Representante do cartório, Régis Borges esteve presente no protesto e disse ser a favor da conservação. Ele deu uma versão diferente do ocorrido. “Fomos surpreendidos, porque era um trabalho que vínhamos fazendo com os moradores. Chamamos o síndico do Marília e foi repassada uma carta a todos eles, além de termos conversado com os habitantes do entorno. Porém, o processo foi demorando, porque se trata de um edifício histórico. Nossa ideia não é e nunca foi retirar a praça daqui”, afirmou ele.
Conforme Borges, o cartório necessita de um “pequeno espaço, equivalente a 10% da praça, para exigências do plano de incêndio”, para a construção de uma escada de emergência, além da ampliação de uma área no canto norte do edifício, no lado contrário do portão, para a ampliação da área de atendimento do local. Segundo Marcia, o movimento viralizou de forma espontânea, atraindo a atenção de vereadores como Jonas Reis e Abigail Pereira, além de deputados estaduais.
Ela própria contou que somente soube do interesse do cartório por meio de outra prefeita de praça da área central. “Comecei a cuidar, irrigar, colocamos uma banda para tocar aqui, fizemos meditações guiadas, aulão de ioga, então queremos ganhar tempo agora e somente dialogar com o pessoal do cartório. Somos a favor de colocar este prédio em funcionamento. Porém, queremos entender o que está acontecendo”, disse.
Em nota, a Prefeitura disse que Melo vai conversar com Marcia e “ouvir a comunidade para avaliar o projeto”. Acrescentou ainda que a proposta em si busca “qualificar” a praça, e que o projeto recebeu parecer favorável da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus). O Executivo também confirmou que a praça vai ser adotada pelo Registro de Imóveis, que vai assumir a “preservação, revitalização e manutenção permanente do espaço, proporcionando melhor utilização pelos cidadãos”. A receita com a venda de parte do terreno deve ser revertida ao Fundo Municipal para Restauração, Reforma e Manutenção do Patrimônio Imobiliário do Município de Porto Alegre, encerra a Prefeitura.