Registros da memória

Fotógrafo Ricardo Ravanello integra o FestFoto 2023 com retratos de sobreviventes e familiares de vítimas da Boate Kiss

‘Retratos da tragédia’ reúne imagens produzidas a partir de 2021 com a técnica do colódio úmido, criada na década de 1850 e replicada por Ricardo Ravanello - Foto: Mauro Schaefer / CP

O Festival Internacional de Fotografia de Porto Alegre (FestFoto 2023) acontece entre os dias 5 e 20 de agosto, na Fundação Iberê (Av. Padre Cacique, 2000 – Cristal, Porto Alegre). Entre as obras selecionadas para o “Fotograma Livre”, uma convocatória internacional, estão fotos de sobreviventes e familiares de vítimas da tragédia da Boate Kiss. A série “Retratos da tragédia” ocupa uma das paredes da exposição. Na mostra, 15 imagens estão reproduzidas e ampliadas em papel, e uma caixa de vidro protege duas das placas originais.

O fotógrafo Ricardo Ravanello, natural de Santa Maria, estava na cidade no dia 27 de janeiro de 2013, quando um incêndio atingiu a Boate Kiss e matou 242 pessoas, entre funcionários, equipe de resgate e jovens que aproveitavam a festa. Ele conta que não perdeu ninguém próximo, mas acredita que todos os moradores tiveram algum tipo de ligação com o acidente.

Formado em publicidade e professor do curso de Desenho Industrial da Universidade Federal de Santa Maria, Ravanello lembra que, na época, sentiu que era seu papel como artista registrar o acontecimento, mas não sabia como. “Eu acho que lá atrás a questão ainda estava muito sensível, eu acabei não enxergando uma forma com a qual eu me sentia tranquilo em abordar o trabalho”.

Foi no colódio úmido, uma técnica que remete aos anos 1850, que o fotógrafo encontrou o que precisava. Na época em que a fotografia estava sendo inventada, um dos primeiros testes foi com colódio, uma espécie de verniz feita de nitrocelulose, álcool e éter. Antes de ser aplicado em placas de vidro para gerar imagens, o colódio foi utilizado para desenvolver explosivos e também curativos para ferimentos de guerra.

“Uma tecnologia militar vira uma tecnologia de cura e depois de expressão”, relata Ricardo. “A origem do colódio é muito bonita. A gente tenta construir essa metáfora de que a gente usa um material de origem militar, feito para destruir, como também uma forma de cura. Discutir o assunto é trazer à tona a voz dessas pessoas e tentar construir alguma coisa em cima dessa tragédia terrível”, entende.

Como consequência, as fotos aparentam ter um aspecto “envelhecido”. Os contornos são, de certa forma, “deteriorados” pelo processo químico, que faz com que a imagem pareça derretida ou queimada. Esse efeito, misturado com o registro de pele queimada ou cicatrizada, confunde o público sobre o que é corpo e o que é química. Ravanello explica: “a textura do colódio se funde com as pessoas”.

* Sob supervisão de Luiz Gonzaga Lopes