O presidente do Asilo Padre Cacique, Edson Brozoza, afirmou nesta quinta-feira que pretende levar ao conselho deliberativo da instituição uma proposta de acordo com os moradores do Quilombo da Família Lemos, que ocupa uma área vizinha, mas considerada parte da estrutura do asilo, que fica no bairro Santa Tereza, zona Sul de Porto Alegre. A intenção, segundo ele, é resolver o litígio que existe desde ao menos 2009, quando o assunto passou à esfera judicial, com o Padre Cacique buscando a reintegração de posse desse segmento do terreno.
“Temos uma meia dúzia de imóveis doados por pessoas solitárias a fim de o asilo obter renda. Quero levar ao conselho a ideia de oferecer um deles para que eles façam de residência. Prefiro me desfazer de um patrimônio do asilo, mas obter de volta um de mais valor, que é esta área dos fundos”, afirmou Brozoza, referindo-se à área ocupada pelos familiares de Jorge Alberto Rocha de Lemos, antigo zelador do asilo.
De acordo com o Atlas da Presença Quilombola em Porto Alegre, elaborado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), o primeiro registro de ocupação da área é incerto, mas acredita-se ser do ano de 1964, quando Jorge, falecido em 2008, se estabeleceu no terreno entre o asilo e a Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul (Fase), para não precisar se deslocar mais de 18 quilômetros diariamente, já que ele e a esposa, Délzia Gonçalves de Lemos, residiam em Viamão.
“Na época da chegada da família, o terreno não era reclamado por nenhuma instituição”, conta o atlas. Delzia também passou a trabalhar no Padre Cacique, onde atuou por 35 anos, enquanto Jorge trabalhou por 44. Os cinco filhos do casal e a mãe de Delzia, Anna Julia, chegaram ao local em 1964, e o sexto filho, Sandro, nasceu quando a família já vivia no quilombo. Com o passar dos anos, houve incertezas quanto à propriedade da área, e a situação ganhou novo capítulo quando a Fundação Palmares, do governo federal, reconheceu a área como quilombola.
Na prática, isso impede modificações no local, embora ainda sejam aguardados o posicionamento e a titulação oficial, por parte do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Em um dos episódios de maior tensão, em 2018, houve uma tentativa de reintegração de posse, mas, diante da presença de membros da Defensoria Pública do RS (DPE/RS), que passou a defender a causa do quilombo, deputados estaduais e representantes de outras entidades, a ordem acabou suspensa.
No mesmo ano, a 17ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre decidiu que qualquer ação envolvendo o quilombo deve ser remetida à Justiça Federal. O asilo entrou com recurso, mas o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) confirmou a decisão, em maio deste ano. Houve novo recurso do asilo à terceira instância, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília.
Brozoza garante ainda ter em mãos um documento, datado de 1845, que comprova a doação da área pelo então imperador Dom Pedro II. O material, que integra o Arquivo Público Estadual, conforme o presidente do Padre Cacique, surgiu em meio a outros documentos que ele pretende utilizar para um futuro livro com imagens históricas da instituição.
Questionado sobre os locais que o asilo pretende oferecer aos quilombolas em troca do terreno, ele lista um sobrado na rua Sofia Veloso e uma casa na rua da República, ambos no bairro Cidade Baixa, e outros três apartamentos “menores”, que ele reconhece que talvez não sejam suficientes para que todos se acomodem, além de uma outra residência no bairro Glória.
“Dependo da concordância do conselho, mas acredito que vão acolher a questão. É uma questão de honra”, comenta o presidente. No lugar do quilombo, o asilo pretende construir um salão de eventos com um auditório superior.
A reportagem do Correio do Povo não conseguiu contato com o quilombo para repercutir as declarações de Brozoza.