Depois que a Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag-RS) mobilizou mais de 1,8 mil pecuaristas familiares e bloqueou, na semana passada, o acesso à aduana de Porto Xavier, na fronteira com a Argentina, outras entidades representativa da agricultura familiar agendaram protestos contra a crise no setor leiteiro, causada pela importação de lácteos do Mercosul.
A Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf) informou que participa da organização de manifestações conjuntas nos três estados do Sul, marcadas para o dia 15, pedindo que o governo federal suspenda as importações, faça compras públicas e implante uma política de valorização do setor leiteiro.
No Rio Grande do Sul, o protesto ocorre em Porto Alegre, com participação de um bloco de entidades como União das Cooperativas de Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Além da importação de leite, a Fetraf questiona as mudanças feitas nas regras do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), que assegura financiamentos rurais de custeio agrícola em caso de evento climático adverso, praga ou outro tipo de dano. Segundo a Fetraf, a resolução CMN nº 5.086 de 29 de julho de 2023, alterou regras do Proagro fazendo com que cerca de 25% dos agricultores gaúchos fiquem sem acesso ao programa e, consequentemente, ao Pronaf, já que o seguro é requisito para a contratação do crédito.
“Isso vem na contramão da própria estratégia do governo de incentivar o aumento da produção de alimentos”, avalia o presidente da Fetraf-RS, Douglas Cenci. “A gente tem trabalhado para convencer o Banco Central (BC), que é o gestor do Proagro, mas tem tido muita dificuldade. O BC adota medidas com o intuito de qualificar o programa, mas tem que ter noção das consequências e não percebemos nenhuma sinalização de reverter esse cenário”, lamenta.
A crise na cadeia produtiva do leite vem se agravando a cada mês com a crescente importação do Mercosul. De janeiro a julho, as importações de lácteos do Uruguai e da Argentina bateram recorde, somando 520 milhões de dólares (R$ 2,5 bilhões) e superando em 224% os valores dos mesmos meses de 2022. Segundo a Fetraf, a importação repercute diretamente no preço pago pelo leite adquirido dos produtores rurais, sendo que a queda no preço chega até a R$1 por litro.
A Fetraf-RS vem chamando a atenção do governo desde junho sobre as dificuldades. A entidade participou de várias reuniões, inclusive com os ministros da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, e com o vice-presidente, Geraldo Alckmin. O presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto, já prometeu realizar compras públicas de leite, mas ainda não houve anúncio oficial. Pretto disse que a Conab está autorizada a fazer compra pública emergencial e que o anúncio deve ser feito ainda esta semana.
“A informação que temos de bastidores é de que devem comprar em torno de R$ 100 milhões, é bastante dinheiro, mas neste caso é pouco ou quase nada. O volume de leite que tem entrado da Argentina e Uruguai é muito grande, até porque esse leite não evapora, ele continua no mercado interno”, reforça Cenci.
O presidente da Fetraf-RS lembra que a Emater deve divulgar na Expointer, que começa no dia 26, um novo relatório sobre a cadeia leiteira do Estado. O último estudo, divulgado em 2021, mostrou que 52,28% dos produtores gaúchos haviam desistido da atividade desde 2015. Em 2021, o Estado tinha 40,1 mil produtores na ativa, 44.017 a menos do que em 2015, quando se iniciou a pesquisa.
“Acho que situação se agravou nos últimos dois anos e daqui pra frente vamos ter uma debandada de agricultores muito significativa”, estima Cenci. Neste contexto, com importação se refletindo de forma pesada no preço, o governo ainda não conseguiu adotar medidas e a avaliação é de que não vai mudar nos próximos meses”, completa.