O ex-PM Élcio Queiroz disse, em delação premiada à Polícia Federal, que a primeira recordação sobre o planejamento de matar a vereadora Marielle Franco vem de meados de agosto de 2017. A parlamentar morreu assassinada em 14 de março de 2018. Foi a partir de elementos dessa delação que a Polícia Federal e o Ministério Público do Rio de Janeiro realizaram, nesta segunda-feira, uma operação para prender o ex-bombeiro Maxwell Simões Correa, o Suel, por suspeita de envolvimento nos homicídios da vereadora e do motorista Anderson Gomes.
A recordação relatada por Queiroz surgiu a partir de uma conversa entre ele e o sargento reformado da Polícia Militar Ronnie Lessa, também preso preventivamente sob suspeita de envolvimento no crime. “Ao conversar sobre uma bateria nova que vira na casa de Ronnie Lessa, este contou que seria utilizada em um ‘carro ruim’, uma ‘cabra’, jargões comuns para veículos adulterados. Vindo a saber pouco depois que se tratava do Cobalt prata [usado no dia do crime]“, cita o relatório da PF.
Segundo Queiroz, Lessa relatou que, no Réveillon entre os anos de 2017 e 2018, durante uma das campanas, houve a oportunidade de “chegar até esse alvo” [Marielle], mas ele não conseguiu porque Suel, que dirigia, alegou problemas mecânicos no carro no momento da aproximação.
“Contudo, Lessa estava chateado, pois sua percepção era de que o real o motivo do fracasso fora o ‘refugo’ [hesitação] do motorista. Esclareceu, ainda, que nesta tentativa frustrada a vítima estaria em um táxi”, afirmou.
Na delação, o ex-PM disse que a arma usada no assassinato da vereadora havia sido extraviada do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), anos antes.
Sobre a submetralhadora MP5, o colaborador disse que ouviu de Lessa que era oriunda de um extravio ocorrido em um incêndio na sede do batalhão. A arma havia ficado com uma pessoa que a reformou e vendeu, possivelmente, cerca de um ano antes do ato. Queiroz também disse se tratar de uma arma com a qual Lessa trabalhou durante o período no batalhão e, por isso, tinha “grande valor sentimental”.
Porém, um relatório da Polícia Federal ressalta que as provas coletadas “não permitem qualquer conclusão sobre a relação da arma usada na execução de Marielle Franco e Anderson Gomes e os referidos incêndios” no Bope.
“Ressalta-se que as declarações de Élcio Queiroz sobre esse assunto decorrem do que Ronnie Lessa teria dito, acarretando ainda mais incerteza e imprecisão sobre os fatos. Não obstante, a confirmação de que houve pelo menos dois incêndios em unidades do BPChq e de que havia submetralhadoras HK MP5 em seus arsenais torna o relato sobre a origem da arma verossímil”, completa o relatório.
Queiroz está preso desde 2019, assim como o ex-policial reformado Ronnie Lessa. Os dois vão ser julgados pelo Tribunal do Júri pelo crime, mas a data do julgamento ainda precisa ser definida.
Dia do crime
No dia do crime, Queiroz contou, na delação, que fazia a escolta de caminhões quando, por volta das 12h, recebeu uma mensagem de Ronnie Lessa, que lhe disse estar precisando de alguém para dirigir um veículo. Na sequência, Lessa lhe enviou uma foto com algumas mulheres; ele olhou rapidamente, sem entender o que era. Como o aplicativo destrói as mensagens após a visualização, Queiroz só soube depois que eram de um evento na Casa das Pretas, no qual Marielle havia confirmado presença no mesmo dia.
No carro, antes do crime, Queiroz disse que Lessa ficou no banco do carona. Afirmou ainda que viu pelo retrovisor quando Lessa colocou um casaco preto e vermelho, tirou uma submetralhadora da bolsa, instalou o silenciador, colocou uma touca e pegou um binóculo para observar o movimento.
A última aparição pública da vereadora foi no evento ‘Jovens Negras Movendo Estruturas’, organizado por ela na Casa das Pretas, neste prédio na rua dos Inválidos 122, no bairro da Lapa
Marielle apareceu na rua após um tempo, e Lessa cogitou matá-la no local, revelou Queiroz, mas ele alertou de que havia muitas pessoas no entorno. Depois disso, o carro seguiu o automóvel da vereadora e, quando Lessa viu a oportunidade, disparou.
Após o crime, eles seguiram para a casa da mãe de Ronnie Lessa, a mando dele, no bairro do Méier. De lá, seguiram em um táxi para a Barra da Tijuca. A polícia confirmou que o irmão de Lessa pediu esse carro à coperativa de táxi.
O endereço na Barra era um bar, onde eles se encontraram com Maxwell [ex-bombeiro, preso hoje]. Queiroz disse que, naquele momento, a morte da vereadora já repercutia na imprensa e que Maxwell disse a Lessa, assim que ambos chegaram: “eu sabia que eram vocês”.
No dia seguinte, os três voltaram a se encontrar para se livrar do veículo. Além disso, fizeram uma varredura para apagar qualquer vestígio do carro.
Em relatório, a Polícia Federal afirmou que restou apenas a possibilidade de confrontar os registros de chamadas e os dados em nuvem, a fim de corroborar circunstancialmente o conteúdo das declarações de Queiroz sobre o pré-crime.