Concessionária que revitaliza o Parque Harmonia sustenta serem legais alterações feitas no projeto

Projeto original previa o corte de 80 árvores; com alterações, número subiu para 432; GAM3 estima retirada de 133

Foto: Flávia Polo/Especial

Após uma reunião tumultuada que, com a participação ativa de ambientalistas e ativistas, debateu, durante três horas, a regularidade das obras de revitalização do Parque Harmonia, em Porto Alegre, a concessionária GAM3 Parks garantiu a legalidade das intervenções. Sócia-diretora da empresa, a arquiteta Carla Deboni se referiu, inclusive, às alterações realizadas após a aprovação do projeto pelo Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU), o que levantou acusações de que o projeto original havia sido descaracterizado.

“Trazer que estas diferenças tornam o projeto ilegal é uma grande inverdade. São ajustes que precisam ser feitos, e o EVU dá diretrizes. Nenhuma alteração de projeto muda as diretrizes fornecidas pelo EVU. É por isso que a gente está muito tranquilo quanto a isso”, salientou Carla.

Na justificativa, ela respondeu a uma fala da arquiteta Eliana Castilhos, responsável pelo projeto original, que esteve presente na reunião, organizada pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Câmara de Vereadores. Eliana adverte que as mudanças feitas no projeto podem provocar um impacto ambiental maior. Ela cita que, no documento inicial, era previsto o corte de 80 árvores, e que, com as mudanças, passou a ser autorizado o corte de até 432.

“Eles pegaram e fizeram um projeto que impacta mais no meio. Se eu tinha no EVU uma proposição de projeto que retirava cerca de 80 árvores e aí o projeto que eles estão implantando retira até 432 árvores, não pode ser a mesma coisa. Está se fazendo uma movimentação de terra. Até que ponto efetivamente precisava, não há impacto? Foi feito à revelia dos autores. Tinha a inserção de roda gigante também no projeto, isso não mudou, só que como eu já tinha esses impactos, no resto eu preservava o máximo possível porque o parque, no final das contas, tem que continuar sendo um parque”, afirmou Eliana.

Durante a reunião, outro ponto levantado envolveu a preservação da fauna, uma vez que existem no local espécies de aves que fazem das árvores o habitat. De acordo com Paulo Brack, professor de Botânica da Ufrgs e diretor do Ingá – Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais, com base em imagens aéreas, cerca de 70% da área vegetal do parque sofreu devastação. Ele questiona o destino a ser dado as aves.

“Nós temos que ter embasamento técnico do que vai ser perdido, não adianta o achismo aqui, eu acho que os bichinhos vão lá pra reservinha. A reservinha só abriga espécies de floresta e nós temos aqui, dessas 85 [espécies de aves], metade ou mais [é] de ambientes abertos, e onde é que estão essas espécies, onde está o destino delas? Nós temos que pensar que nós somos seres vivos, assim como os outros. Tem que ser pensado esse aspecto, tem que ser avaliado, tem que ter o licenciamento, tem que ter o estudo de parque ambiental sim, porque é um parque nobre para a população. A coruja do campo teve seu habitat destruído. Nós queremos o que vai sobrar, onde está o destino dessas aves?”, questiona Brack.

O professor também propôs suspender as obras para que se possa fazer uma nova análise sobre os impactos ambientais da revitalização. O proponente da reunião, vereador Aldacir Oliboni (PT), lembra que a Câmara dos Vereadores não pode embargar a obra, mas prometeu realizar uma audiência pública, em agosto, e analisar os laudos apresentados na tarde desta terça pela concessionária.

“O governo apresentou parte dos laudos que disse ter. A gente vai avaliar se de fato são reais, são legítimos com os pareceres técnicos. Vamos fazer uma chamada de audiência pública em agosto e vamos encaminhar pedido de comissões externas para dar continuidade a um debate, onde todos os partidos terão assento. Uma vez instaurada, a comissão tem um prazo de acompanhamento da obra, de visitas à obra, de emissão de pareceres. A Câmara tem a possibilidade de fazer a interlocução política, mas não tem a prerrogativa de embargo da obra”, sustenta.

A sócia-diretora da GAM3 Parks se disse tranquila em relação a todos os questionamentos e assegurou que vai apresentar os laudos necessários para a continuidade das obras no parque. De acordo com ela, devem ser cortados, no máximo, mais 30 árvores além das 103 já retiradas, e existe uma bióloga que está encaminhando as demandas da fauna local.

“O maior volume já foi retirado ao longo de dezembro até hoje, sempre pontualmente, nunca tiramos todas de uma vez. A gente está estudando transplantes de algumas árvores, pra não termos essa questão de trocar uma árvore grande por cinco mudas. Tudo isso já estava em estudo. Nós temos uma bióloga permanente no parque onde ela acompanha 100% de todos os remanejos (das aves). Entendo que as pessoas não estão lá dentro, e essa oportunidade, para nós, é justamente para comprovar isso aí que já é feito”, reforça Carla Deboni.

A GAM3 Parks venceu a licitação para administrar, pelo período de 35 anos, além do Harmonia, o trecho 1 da Orla do Guaíba. A controvérsia relativa às obras no parque tomou contorno maior quando os arquitetos que assinaram o projeto revelaram que o conceito original havia sido descaracterizado após ele já ter sido aprovado pelo Conselho do Plano Diretor e autorizado pela prefeitura de Porto Alegre.

Na semana passada, profissionais denunciaram as mudanças ao Ministério Público e ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU).

Já o prefeito Sebastião Melo, em entrevista à Rádio Guaíba, defendeu a continuidade das intervenções, que, de acordo com ele, já haviam sido previstas no contrato. Ele ainda citou outras obras que também tiveram apelo ambiental e que hoje são usufruídas pela população, como a ampliação da avenida Padre Cacique e o Parque do Pontal.