O segundo dia do júri popular do Caso Becker teve atraso no início da sessão; suspensão dos trabalhos, após uma discussão entre advogado e testemunha, e uma oitiva só, de quase dez horas. A sessão se encerrou às 20h45min, com retomada prevista para as 9h desta quinta. As partes vão começar o dia debatendo a liberação de alguns dos outros 14 depoentes. Não há prazo para que a sentença seja emitida. Em dois dias, só duas testemunhas de acusação depuseram até o momento.
A deliberação sobre a ordem das falas levou a um atraso de uma hora e meia, pela manhã. A sessão só teve início às 10h30min. Gustavo Fleury, que na época era inspetor da Polícia Civil, prestou quase dez horas de depoimento. Hoje delegado da corporação, ele trabalhou, principalmente, na quebra do sigilo telefônico dos investigados pelo crime. Fleury salientou que o traficante Juraci da Silva, preso por tráfico de drogas e um dos réus, se comunicou com os demais, de dentro do sistema prisional, na data em que o médico Marco Antônio Becker morreu baleado, com quatro tiros, no bairro Floresta, em Porto Alegre. À época, o oftalmologista era vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers).
“Por toda essa movimentação de contatos… Justamente no dia da morte do doutor Becker, ele [Juraci] mantinha contato, por exemplo, com o Moisés Gugel [na época, assessor do andrologista Bayard Fisher e acusado de intermediar as conversas entre o médico e o traficante] e, na sequência, com um cara de dentro do presídio… depois, com outro que estava na rua e, aí, voltava de novo a ter contato com o Gugel. Na nossa ótica… Claro que a gente não tem como buscar, no tempo [por conta da tecnologia], o teor dessas conversas… Tudo isso demonstrou que o Juraci, de dentro do sistema prisional, na época na Colônia Penal Agrícola de Charqueadas, no sistema semiaberto, estava colhendo informações”, mencionou Fleury.
O ex-inspetor também salientou que Becker exercia influência em decisões, tanto do Cremers, quanto do Conselho Federal de Medicina (CFM). “O doutor Becker era bastante ativo e bastante influente. Isso a gente verificou. Ele tinha uma influência gigantesca, tanto no Cremers, quanto no Conselho Federal de Medicina, que eu me recordo, inclusive, o doutor Becker foi conselheiro federal”, salientou.
No entendimento do Ministério Público Federal, o médico Bayard Ollé Fischer Santos, alvo de uma investigação ética do Cremers e prestes a perder o diploma após a recomendação de Becker, se uniu a Juraci da Silva, que devia favores a ele, para planejar o crime. Já o Michael Noroaldo Garcia Câmara, para a acusação, executou o assassinato, e Moisés Gugel, ex-assessor do andrologista, intermediou as conversas entre Bayard e Juraci.
Durante o período de fala do advogado Jean de Menezes Severo, defensor do traficante, uma discussão entre ele e a testemunha suspendeu a sessão, por cerca de 40 minutos. No entendimento da defesa, Fleury perdeu o prazo para uma diligência, em meio à investigação do caso, o que o delegado negou.
Jornais com reportagens referentes ao caso, guardadas por Bayard, foram lembradas ao menos duas vezes pela testemunha. Segundo Fleury, o réu fazia anotações nas matérias que envolviam Marco Antônio Becker, o que chamou a atenção da Polícia. Questionado se Polícia Civil considerou a hipótese de Bayard ter armazenado as reportagens porque já havia sido contatado a depor sobre o crime, o ex-inspetor disse não se recordar.
Nessa terça, o delegado responsável pela investigação, Rodrigo Bozzetto, prestou depoimento por mais de sete horas. Ele relatou que “era público e notório” o conflito entre a vítima e Bayard, acusado de ser o mentor do crime. Na visão do policial, os outros envolvidos participaram “porque eram subordinados” a ele.
Ainda devem ser ouvidos, por parte da acusação, o médico e ex-conselheiro do Cremers Fernando Weber Mattos, o major Márcio Batista Nunes Homem e, por videochamada, o perito da Polícia Federal, Marco Antônio Zatta. Também devem prestar depoimento 11 testemunhas de defesa, antes dos quatro réus.
A sessão, então, vai prosseguir com os debates orais da acusação e das defesas, com possibilidade de réplica e tréplica. Ao final, o juiz federal Roberto Schaan Ferreira, que preside o julgamento, se reúne com o júri, composto por quatro mulheres e três homens, para a votação dos quesitos da sentença final.
O processo passou a tramitar na Justiça Federal, que recebeu a denúncia em 2013, após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) interpretar que o homicídio havia sido motivado pela influência que Marco Antônio Becker exercia Também diante do Conselho Federal de Medicina (CFM).
O assassinato de Becker, que era oftalmologista, ocorreu na noite de 4 de dezembro de 2008, quando ele saía de um restaurante na rua Ramiro Barcelos, no bairro Floresta, na capital. Quatro tiros foram disparados por dois homens, em uma moto. A morte ocorreu em decorrência de uma hemorragia interna.