Gripe aviária: saiba mais sobre a doença que já matou 85 aves na Estação Ecológica do Taim

Dúvidas como o motivo da chegada do vírus ao litoral gaúcho e o risco de contágio em humanos e de consumo de carne de frango começaram a surgir

Foto: ICMBio

Duas semanas após a primeira notícia de que aves haviam sido encontradas mortas na Estação Ecológica (Esec) do Taim, no litoral Sul gaúcho, chega a 85 o número de animais sacrificados, até o momento. De acordo com o chefe da estação e servidor do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) Fernando Weber, mais quatro cisnes-do-pescoço-preto foram encontrados nesta terça-feira (um dentro da Unidade de Conservação, localizado ao Norte, e os outros três fora, ao Sul). A reserva, que fica entre os municípios de Rio Grande e Santa Vitória do Palmar, teve o primeiro foco do vírus H5N1, causador da gripe aviária, no Rio Grande do Sul, identificado na segunda-feira retrasada.

Com relatórios diários de mortandade de aves na Esec do Taim, dúvidas como o motivo da chegada do vírus ao litoral gaúcho e o risco de contágio em humanos e de consumo de carne de frango começaram a surgir. A reportagem da Rádio Guaíba ouviu três especialistas para esclarecer o assunto.

De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin, até o momento, o Brasil segue livre de influenza aviária. Ele explica que a Organização Mundial da Saúde Animal considera que, quando a doença se concentra apenas em aves silvestres, nada muda no status sanitário do país. “No Rio Grande do Sul, a gripe aviária chegou através de uma área próxima da fronteira com o Uruguai, na Lagoa do Taim, a Lagoa Mangueira. Hoje em dia, também temos incidência em aves costeiras, no Espírito Santo, Rio de Janeiro e, mais recente, em São Paulo. São todas aves silvestres, que chegaram ao Brasil através de rotas migratórias, o que é natural. A espécie migra para onde é mais quente para procriar”, explica.

Mesmo que o número de aves mortas siga aumentando no Taim, Ricardo Santin ressalta que, de 2022 pra cá, 247 milhões de aves já foram sacrificadas, em todo o mundo, por causa da doença. “Só no Japão tiveram que abater 15 milhões de aves, na Europa 60 milhões, nos Estados Unidos, 70 milhões, e muitas outras morreram por causa da contaminação. É uma gripe que, entre as aves, por falta de cuidado, acaba se espalhando”, completa.

A doutora em Neurociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e professora da Escola de Saúde da Unisinos Mellanie Fontes-Dutra, também alerta para o risco de contaminação em pessoas. “Existem evidências de eventos zoonóticos – que é quando um agente infeccioso pula de uma espécie para a outra -, por exemplo, [de] diferentes aves para [os] humanos. Esse vírus é capaz de infectar pessoas. Por isso é muito importante que se evitem a exposição a secreções e fluidos de animais possivelmente infectados. Ainda não temos registros de transmissão entre humanos de forma sustentada. É uma preocupação, porque quanto mais espécies e hospedeiros esse vírus infectar, mais oportunidades ele pode ter para conseguir reunir as adaptações necessárias para poder se transmitir com mais facilidade na nossa ou em outras espécies. É muito importante as pessoas evitarem qualquer exposição a aves silvestres ou às carcaças desses animais”, alerta.

Conforme a presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Mônica Levi, o vírus Influenza H5N1 se caracteriza por atingir, predominantemente, aves, mas já aparece em alguns tipos de mamíferos, como o leão-marinho. “Nós não tínhamos casos no Brasil e hoje já temos, virou uma pandemia aviária, aves de vários países e continentes contaminadas por esse vírus”.

Levi esclarece que, de um modo geral, as aves desenvolvem quadro de gripe com sintomas semelhantes aos dos humanos: secreção nasal, secreção ocular, olhos escorrendo, dificuldade para respirar, moleza, incapacidade de se levantar, tremores. “Na galinha, o vírus pode afetar múltiplos órgãos internos e causar um quadro muito grave, com uma mortalidade de 90 a 100% em até 48h, enquanto outras aves, como o pato, podem se infectar sem apresentar sintomas”, revela.

Questionada sobre o porquê de o Brasil estar vivendo um surto de gripe aviária, a presidente disse que esses vírus atingem aves migratórias e relembrou situações anteriores. “Tivemos vários surtos no passado, 2003 e 2004, já temos há muitos anos os surtos de gripe aviária, mas nunca tinham se espalhado dessa maneira. Na América, estamos tendo muitos casos porque são aves migratórias, e em alguns mamíferos, como leões-marinhos, por causa da proximidade no habitat com essas aves marítimas. Alguns especialistas já estão chamando de a maior pandemia de aves da história do mundo”, salienta.

Sobre o índice de letalidade em humanos, Levi ressalta que gira em torno de 60%. “É uma das doenças com a maior letalidade que eu conheço”.

Transmissão a pessoas 

A Influenza H5N1 é transmitida através do contato direto com aves contaminadas quando, por exemplo, a pessoa toca no animal doente e, depois leva a mão aos olhos, boca e nariz. “É muito importante alertar para que as pessoas não toquem em pássaros, não visitem locais onde vivem pássaros, mercados onde vivem animais vivos, locais onde existem aves. Deve-se tomar muito cuidado. O grande perigo é que esse vírus comece a atingir a produção de galinhas, de granjas, porque o que se faz nessa situação é sacrificar as aves, o que pode gerar a falta de frango e ovos – um grande problema para nós”, acrescenta.

O consumo de aves é seguro?

Conforme a presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Mônica Levi, o consumo de aves cruas é contra-indicado, mas não há casos de contaminação através da carne de ave bem passada. Portanto, o consumo é seguro. “No momento, não há nenhum registro de contaminação por ovos ou carne de aves”, reforça.

Pandemia de gripe aviária em humanos

Para a presidente da SBIm, mesmo que venha a provocar uma pandemia em humanos, o vírus da gripe aviária vai encontrar uma sociedade mais preparada para enfrentar o problema. “Já existe vacina para o H5N1, já existem vários laboratórios em produção de vacinas, o próprio Butantan está desde janeiro trabalhando em vacina para esse vírus e, se realmente houver a mutação, se ele puder ser transmitido de humano para humano, nós temos um preparo melhor. A pandemia de Covid-19 nos ensinou como tratar de infecções respiratórias graves, nós temos antivirais funcionando para o vírus Influenza e temos o mundo todo preocupado com essa possibilidade, e já produzindo vacinas”, assegura.