Letalidade da dengue no RS mais do que dobra em 2023

Especialistas dizem que diagnóstico tardio e circulação de sorotipos diferentes podem explicar o fenômeno

Foto: SES / Divulgação

O Rio Grande do Sul chegou, nesta quinta, à marca de 43 óbitos em 2023 em razão da dengue. Em cinco meses, o Estado já registra, proporcionalmente, mais óbitos do que em 2022, quando foram reportados 66 ao longo de todo o ano – um recorde na série histórica até o momento.

A letalidade também chama a atenção. Enquanto 2022 teve 68 mil casos de dengue, com um óbito a cada 1.030 pacientes infectados, 2023 teve, até agora, uma morte para cada 452 doentes. Dos 19.457 casos de dengue desde janeiro, 17.777 foram autóctones, ou seja, contraídos sem que o paciente tenha viajado. O Painel de Casos de Dengue RS mostra, ainda, que o mosquito transmissor – o Aedes aegypti – já infesta 459 das 497 cidades gaúchas, neste ano.

Três óbitos foram confirmados nesta quinta. Segundo o Centro Estadual de Vigilância em Saúde, dois deles ocorreram em dia 25 de maio: o de um homem de 70 anos, com comorbidades e morador de Santa Maria, e o de uma mulher de 88, residente em Ijuí – cidade que lidera o ranking de mortes pela dengue neste ano, com oito até o momento. Na terça-feira passada, uma moradora de Não-Me-Toque também não resistiu.

Conforme a responsável pelo Programa de Arboviroses do Centro de Vigilância Estadual de Saúde (CEVS), Catia Favreto, não existe uma explicação exata para que a letalidade tenha aumentado em 2023. “O que a gente pode dizer é que infelizmente o maior número de óbitos envolveu idosos que já tinham alguma comorbidade, doenças prévias, pessoas mais suscetíveis a qualquer agravo. Outra possibilidade para a disparada dos óbitos é o aumento de reinfecções pela dengue, o que eleva as chances de agravamento da doença”, explica.

Catia ainda alerta que a população procure atendimento médico assim que os sintomas aparecerem. “Procure qualquer atendimento, qualquer porta de entrada da saúde pública, tanto as unidades básicas de saúde, pronto atendimento, emergências hospitalares, ou até mesmo seu médico de referência, só um atendimento médico qualificado pode dizer se os sintomas são compatíveis com dengue ou não.”

Existem quatro sorotipos para o vírus: 1, 2, 3 e 4. No Rio Grande do Sul, a dengue 1 sempre se revelou mais predominante. Desde o ano passado, exames realizados no Laboratório Central do Estado (Lacen) mostraram, em algumas cidades, a co-circulação de dengue 2. Os especialistas advertem que a dengue só se manifesta uma vez na vida para cada sorotipo. O paciente adquire anticorpos contra essa linhagem do vírus e não desenvolve mais a doença, mas continua suscetível às demais. Caso ocorra, a reinfecção deixa o organismo mais exposto à forma mais crítica da dengue. Os sinais de agravamento incluem dor abdominal mais concentrada, náuseas, vômito e sangramento, por exemplo.

Catia Favreto ressalta, ainda, não há como saber se as pessoas que foram a óbito já haviam desenvolvido dengue em ocasiões anteriores, uma vez que 80% da população pode ser assintomática. “Com sintomas muito leves, a pessoa não procura atendimento médico porque melhora rápido, então não há como saber se as vítimas fatais já tiveram dengue no passado”, reconhece.

Para a doutora em neurociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e professora da Escola de Saúde da Unisinos Mellanie Fontes-Dutra, uma das razões que pode explicar o aumento na taxa de letalidade é o diagnóstico tardio. “A pessoa busca esse amparo médico quando o organismo já está mais debilitado pela presença do vírus. Muitos sinais e sintomas da dengue podem ser confundidos facilmente com outras doenças como a Covid. A pessoa pode sentir dores no corpo, febre, mal estar, e isso é sobreposto a outras doenças e talvez explique a demora em buscar ajuda em um posto de saúde”, considera.

Além do diagnóstico tardio, a circulação de sorotipos diferentes em uma mesma região e as condições climáticas, com o predomínio de dias chuvosos, podem ajudar a explicar o aumento da letalidade.