O lançamento de um aplicativo que simula a compra e venda de pessoas negras escravizadas gerou revolta e muitas críticas em redes sociais, nesta quarta-feira. O aplicativo, chamado “Simulador de Escravidão”, é uma versão interativa que permite a compra e venda de escravizados e incentiva o usuário ao acúmulo de dinheiro a partir da exploração dessa mão de obra. O aplicativo, disponibilizado na Google Play Store, em 20 de abril, tinha classificação livre. Com a repercussão, a loja tirou o jogo do ar.
Na aplicação, era possível mandar os personagens para vários tipos de tarefas como guerras, “clube de elite”, “bordel” e plantação. Outro papel do usuário é controlar os escravos que tenham “desejo de liberdade” e os “fugitivos”. Na página inicial, uma mensagem cita que o produto é para “entretenimento” e “não está vinculado a eventos históricos específicos”. O texto sustenta ainda que “todas as coincidências são acidentais.”
O caso repercutiu em uma semana marcada pela discussão sobre o racismo, em função do caso que envolveu o jogador Vinicius Júnior, no último domingo, na Espanha. Após ser vítima de gritos racistas da torcida do Valencia, o jogador do Real Madrid chegou a ser expulso de campo.
No Twitter, parlamentares gaúchos repudiaram o aplicativo. A deputada federal Daiana Santos (PCdoB) classificou o episódio como grave. “O tal “jogo” se chama Simulador de Escravidão, um app completamente ofensivo para o nosso povo. Estamos encaminhando uma denúncia de RACISMO ao Ministério Público!”, escreveu, em uma publicação.
A deputada estadual Laura Sito (PT) também repudiou o aplicativo. “É um crime! Naturaliza o trabalho escravo. Não vamos admitir!”, disse.
As representações devem ser feitas aos Ministérios Públicos Estadual e Federal. O objetivo é identificar o desenvolvedor do jogo e buscar, ainda, a responsabilização do Google. Daiana Santos deve ter a big tech como alvo principal. Já o setor jurídico da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, presidido pela deputada Laura Sito, prepara uma representação contra a Magnus Games, responsável pelo desenvolvimento do aplicativo. O Google também vai ser citado.
De acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego, 61.459 trabalhadores foram encontrados em condições análogas à escravidão desde 2009. Em 2023, foram 1.201 flagrantes. As denúncias podem ser feitas pelo Sistema Ipê ou pelo Disque 100.
Usuários pedem “mais opções de tortura”
Na loja virtual, usuários que baixaram o aplicativo comentaram a experiência, elogiando o jogo e sugerindo mudanças que aumentem o grau de crueldade do simulador. Em prints divulgados pelo R7, é possível ver comentários de usuários que pedem mais formas de tortura, e admitindo o desejo de fazer a mesma coisa na vida real.
“Desumano, nojento, estarrecedor”, classifica relator do PL das Fake News
O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) também se manifestou sobre o aplicativo em redes sociais, nesta quarta. No Twitter, Silva revela que recebeu a informação por uma denúncia da União de Negras e Negros pela Igualdade (Unegro).
“URGENTE! DENÚNCIA CHOCANTE! A Play Store, loja de aplicativos do Android, tem um “jogo” chamado SIMULADOR DE ESCRAVIDÃO, no qual a “brincadeira” consiste em comprar, vender, açoitar pessoas negras escravizadas. É desumano, nojento, estarrecedor. É CRIMINOSO!”, escreveu o deputado.
Silva também promete entrar com representação no Ministério Público por crime de racismo. “A própria existência de algo tão bizarro à disposição nas plataformas mostra a URGÊNCIA de regulação do ambiente digital”, afirmou o deputado, que é relator do projeto de lei que regulamenta as plataformas digitais, que ficou conhecido como PL das Fake News.
O que disse o Google
Em nota, o Google disse que removeu o jogo da loja de aplicativos e que toma medidas para coibir a incitação ao ódio e violência. “Temos um conjunto robusto de políticas que visam manter os usuários seguros e que devem ser seguidas por todos os desenvolvedores. Não permitimos apps [aplicativos] que promovam violência ou incitem ódio contra indivíduos ou grupos com base em raça ou origem étnica, ou que retratem ou promovam violência gratuita ou outras atividades perigosas”, ressalta a nota da empresa.
Governo Federal quer filtro contra discurso de ódio
Já o Ministério da Igualdade Racial (MIR) entrou em contato com o Google para elaborar, de forma conjunta, um filtro que bloqueie a disseminação de discursos de ódio, intolerância e racismo.
“O MIR informa também que já tem reunião agendada com a área de responsabilidade do Google para construir uma moderação de conteúdo antirracista, assim como tem feito com outras big techs [grandes empresas de tecnologia] para a construção de um ambiente seguro e saudável na internet”, citou o ministério, em nota.
Além disso, a pasta vai buscar responsabilizar os desenvolvedores do jogo. “O Ministério Público também será acionado para atuar no caso, de modo que as partes envolvidas no desenvolvimento e comercialização do produto também sejam responsabilizadas”, completa o comunicado.