Quem assistiu ao documentário “Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor”, de Alfredo Manevy, por certo ficou surpreso com a inserção de um trecho de um velho filme de Hollywood, “Dançarina Loura” (Lady Let’s Dance, 1944), de Frank Woodroof. Nesse velho filme, ouve-se uma composição mais famosas de Lupicínio (1914-1974), “Se Acaso Você Chegasse”, celebrizada no Brasil nas vozes de Ciro Monteiro e Elza Soares. A trilha sonora chegou a ser indicada ao Oscar de 1945, sem que o compositor gaúcho tenha sido creditado.
Agora, a família de Lupi quer a reparação da Academia de Hollywood, sob a forma da inserção do nome dele como um dos indicados para o prêmio daquele ano. Em carta endereçada à Academia, a família ressalta que não deseja compensação financeira por direitos autorais, mas apenas a justa colocação do autor da música como um dos indicados para a mais famosa estatueta do cinema.
Orgulho
O documentário de Manevy, já apresentado na Mostra de Cinema de São Paulo, Festival Aruanda e Mostra de Tiradentes, e com estreia marcada para os próximos meses, registra que Lupicínio ficou sabendo da história. Assistiu ao filme e, em vez de sentir-se ofendido pela falta do crédito, ficou orgulhoso por figurar em um filme americano. Homem simples, na época bedel de uma faculdade em Porto Alegre, preferiu comemorar com amigos em um bar.
Se Lupicínio deixou a ausência de crédito para lá, também assim o fizeram herdeiros e descendentes dele até que, alertados pelo documentário de Manevy, resolveram pedir à Academia o que é de direito, a devida autoria de uma música usada na trilha sonorar.
Para isso, endereçaram uma carta à Academia de Hollywood, usando argumentos consideráveis. Primeiro, a justiça inquestionável da demanda pela autoria. Segundo que, em uma época em que se luta contra o racismo e o apagamento da contribuição de artistas negros à cultura, soa como duplamente injusto que um compositor afrodescendente como Lupicínio Rodrigues seja riscado da história do Oscar quando é do direito dele nela figurar. A carta é assinada por Lupicínio Rodrigues Filho e família.
“Lady Let’s Dance” é protagonizado pela atriz Belita, mix de patinadora e atriz, que contracena com James Ellison na sequência em que se ouve “Se Acaso Você Chegasse”. Na trama, Belita compõe um grupo de dançarinas convocado para fazer um show e salvar um resort de luxo da dificuldade financeira.
Enigma
Em tudo isso há um mistério ainda a ser resolvido. Como o samba de Lupicínio, que tinha então 32 anos, parou em uma produção de Hollywood? Não se sabe ao certo, nem o documentário de Manevy se propõe a solucionar o enigma. Mas a pista talvez esteja na política da boa vizinhança entre os governos norte-americano e brasileiro, que promovia o intercâmbio de bens culturais como forma de aproximação em tempo de tensão internacional máxima com a Segunda Guerra Mundial.
Na mesma época, como se sabe, o cineasta americano Orson Welles veio ao Brasil fazer um documentário, que, aliás, ficou inconcluso.