O Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS) realiza nestas terça e quarta-feira audiências telepresenciais com a empresa contratante dos 207 trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves, na Serra. As vinícolas que se utilizavam da mão de obra contratada também participam das reuniões virtuais.
O MPT-RS também vai constituir um Grupo Especial de Atuação Finalística (GEAF), que será uma força-tarefa interestadual com procuradoras e procuradores para atuar no combate ao problema. O órgão também vai participar como convidado, nesta quarta-feira, da reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado.
O pagamento da maior parte das verbas rescisórias negociadas para os trabalhadores, calculadas em aproximadamente R$ 1 milhão, foi efetivado na maioria dos casos, existindo algumas questões de ajustes de documentação para que todos os trabalhadores recebam.
Em relação ao proprietário da empresa responsável pela contratação dos trabalhadores resgatados, o MPT-RS informou que será discutida a elaboração assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta aditivo ao acordo emergencial firmado no fim de semana. Nele, serão propostas obrigações de fazer e não fazer a fim de prevenir novas ocorrências, sob pena de multas.
Haverá também a discussão da aplicação de multa por um Termo de Ajuste de Conduta anterior que a empresa mantinha com o MPT-RS, com obrigações de boas práticas de contratação e a negociação do pagamento de indenizações por danos morais individuais aos trabalhadores resgatados.
Ao longo da última segunda-feira, a empresa prestadora de serviços realizou a maior parte dos pagamentos aos trabalhadores resgatados. Por acordo expresso no Termo de Ajuste de Conduta emergencial firmado na última sexta-feira, a empresa pagou a cada um dos trabalhadores R$ 500,00 em dinheiro, além do deslocamento de retorno de 194 dos resgatados para a Bahia, em quatro ônibus fretados. O grupo chegou ao destino no início da tarde dessa segunda-feira.
O restante das verbas, calculado em aproximadamente R$ 1 milhão, seria feito por meio de operações bancárias como Pix e ordens de pagamento. O MPT-RS segue acompanhando de perto o processo.
Nesta quarta-feira, o MPT-RS tem uma outra audiência marcada, com as três grandes vinícolas tomadoras do serviço da contratante. O objetivo é relatar a situação do caso, apresentar o que foi apurado nas investigações, requisitar informações sobre os contratos. O MPT-RS vai discutir questões relativas à responsabilidade das empresas tomadoras como parte da cadeia de produção vinífera e ouvir os representantes da empresa. A audiência também será por teleconferência com participação de outros integrantes da força-tarefa.
Investigação
Já o governador Eduardo Leite anunciou que a Corregedoria Geral da Brigada Militar está “à disposição para apurar eventual participação de policiais em atos de coação aos trabalhadores explorados na serra gaúcha”. Ele também solicitou o compartilhamento de provas entre a Polícia Federal e a Corregedoria Geral da Brigada Militar. No Twitter, o governador informou que convocou uma reunião para a tarde desta terça-feira com secretários para tratar de “novas ações em relação a este crime absurdo e lamentável”.
Resgate
Na semana passada, uma operação conjunta entre Polícia Rodoviária Federal, Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e MPT-RS resgatou mais de 200 pessoas alojadas em condições impróprias em uma pousada em Bento Gonçalves. Segundo denúncias realizadas por um grupo de seis trabalhadores que havia conseguido fugir e denunciar o caso, o local era alojamento para uma força de trabalho atraída para a colheita da uva.
No momento da contratação, os trabalhadores recebiam a promessa de que seriam custeados alimentação, hospedagem e transporte, mas, chegando ao Rio Grande do Sul, os trabalhadores tiveram que pagar pelo alojamento, já começando em dívida. O local de alojamento também apresentava péssimas condições e os resgatados, a grande maioria oriunda da Bahia, relataram ameaças e intimidações.
Providências
Uma manifestação coletiva foi divulgada pela Prefeitura Municipal de Bento Gonçalves e entidades representativas do setor, sendo declarado “total repúdio de todos que prezam pela dignidade humana” e reforçado que a “ocorrência não representa as práticas do setor, as vinícolas, as mais de 20 mil famílias de produtores, o segmento produtivo da cidade e, tampouco, a história da nossa comunidade”.
Esclarecendo que as primeiras medidas adotadas foram de acolhimento aos trabalhadores, abrigando e cuidando da saúde, até que pudessem retornar para casa em segurança e com dignidade, os signatários anunciaram uma força-tarefa de fiscalização permanente em alojamentos, visando verificar as condições oferecidas aos trabalhadores.
Haverá também a intensificação da fiscalização de fornecedores e prestadores de serviços do setor, buscando o cumprimento dos requisitos legais e trabalhistas, como uso de equipamentos de proteção individual, fornecimento de alimentação e carga horária de trabalho. Nas próximas semanas será implementado ainda um programa de comunicação, conscientização e qualificação para toda cadeia vitivinícola, incluindo produtores rurais e safristas, garantindo o acolhimento correto e o zelo à legislação.
Uma central do trabalhador será criada para atender diretamente os operários, recebendo denúncias e orientando os profissionais. A Prefeitura Municipal de Bento Gonçalves e entidades representativas do setor anunciaram ainda os aprimoramentos internos de fiscalização e ouvidoria, assegurando que as ações de terceirizados também sejam acompanhadas com rigor, além de seguirem “atuando em conjunto com as forças responsáveis pela investigação e pelo acompanhamento dos direitos humanos e trabalhistas”.