Responsável por uma das áreas mais delicadas do governo, o ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Paulo Pimenta, defendeu que a regulação da mídia, tema antigo e polêmico, deve ser ampliada, abrangendo não apenas a questão do monopólio, mas também do conteúdo. Em entrevista exclusiva ao Correio do Povo, Pimenta falou ainda dos planos do terceiro governo Lula e da relação com o Congresso Nacional. A seguir os principais trechos.
Correio do Povo: Ministro, como o senhor encara a responsabilidade de assumir uma secretaria, com status de ministério, em uma área tão delicada que é a comunicação e que ganhou outras proporções ao longo dos quatro anos do governo Jair Bolsonaro?
Paulo Pimenta: Vamos por partes. É uma secretaria que acabou ficando grande, porque incorporou parte do ministério das Comunicações. Ela tem várias atribuições, desde a comunicação institucional, a parte de imprensa, a internacional, a parte de publicidade, patrocínio e propaganda do governo e de toda Esplanada (dos Ministérios), além da questão do posicionamento, do cuidado com a imagem do governo, no Brasil e no Exterior. Então é uma secretaria responsável por construir a narrativa do governo, o discurso do governo. É de fato uma pasta que tem uma ampla e grande responsabilidade.
Além de área estratégica, abrange uma bandeira histórica do PT, que é polêmica e controversa: a regulação da mídia.
A regulação é um tema que está na Constituição, mas sempre foi um debate muito mais de natureza comercial, do que propriamente de conteúdo. Nosso debate sobre a regulamentação, que está na Constituição, é muito mais sobre o controle do monopólio, do monopólio cruzado. E, na realidade, hoje existe um outro debate. O de regulação de conteúdo é um debate que envolve as plataformas, as big techs, e que o mundo inteiro está fazendo.
E que envolve fake news?
Bem, qual é o debate da regulação hoje?
É a liberdade de expressão versus a censura?
Perfeito. Mas qual é hoje praticamente o consenso que tem se criado, não só no Brasil, mas com legislações, como na Austrália, Canadá e Alemanha. Temos regulação na Comunidade Europeia, temos o debate nos Estados Unidos. O Marco Civil da Internet, no artigo 14, diz que as plataformas não têm responsabilidade pelo conteúdo que elas veiculam, certo? E de certa forma a própria Justiça Eleitoral, quando determinou que conteúdos antidemocráticos fossem retirados sem decisão judicial, já deu uma resposta que essa redação é insuficiente. Então, hoje não existe um debate sobre conteúdo, existe um debate sobre conteúdo ilegal, criminoso. E esse conteúdo envolve basicamente três setores: a democracia, a saúde pública e a defesa do consumidor.
Hoje, no mundo inteiro se debate que o conteúdo criminoso ilegal traz prejuízo à sociedade. Quer dizer, alguém dizer que a Terra é plana é uma fake news. Mas do ponto de vista objetivo, ela não mata ninguém. Não é um golpe contra ninguém. Mas quando você publica um conteúdo ilegal, criminoso, que leva ou não um dano à democracia, à saúde pública ou à defesa do consumidor, você está cometendo um crime. Na maioria dos países, há uma distinção entre postagens. Por exemplo, você faz uma publicação que é uma opinião. Mas, se impulsionar ou monetizar esse conteúdo, é mídia. Então, há uma distinção entre opinião meramente de alguém, como contra as urnas eletrônicas.
Agora, produzir conteúdo e impulsioná-lo, sustentando que a eleição foi fraudada, é crime e recebe um tratamento de mídia. Então, a tendência é que o Brasil avance para uma regulação das plataformas que faça distinção clara entre liberdade de expressão e conteúdo ilegal. E que, ao mesmo tempo, busque distinção entre mera opinião e conteúdo impulsionado ou monetizado.
Considerando suas avaliações, como o senhor vê a postura do presidente do TSE, Alexandre de Moraes, que tomou decisões monocráticas que geraram conflitos políticos e divergência jurídicas, de retirar do ar posts ou bloquear contas, de lideranças ou não, em função do conteúdo das mensagens?
Primeiro lugar, nunca é bom que uma decisão como essa seja tomada como uma norma provisória, precária, emergencial. Este tipo de questão, por ser tão polêmica e tão delicada, precisa ser fruto do quase consenso que a sociedade deve produzir. Então, queremos fazer um grande debate na sociedade, com a participação de todos, para que se produza um consenso e entendimento social a respeito dessa matéria, que é complexa e complicada. Diversos países estão procurando um ponto de equilíbrio. A distinção é a seguinte: você não pode ser impedido, não pode ser responsabilizado por ter uma opinião. Você pode ter opinião sobre o que quiser. O que a lei busca é impedir a produção de conteúdo ilegal, criminoso.
Durante a vigência do período eleitoral, a legislação determinava um conjunto de regras específicas que somente valiam para as eleições. Então, por exemplo, durante a campanha eleitoral é proibido fazer uma postagem para atacar alguém. A lei eleitoral sempre proibiu isso. Eu não posso fazer uma postagem impulsionada para atacar alguém.
Correto, mas a fiscalização deixa a desejar?
Mas o que acontecia até essa eleição? O procedimento para retirada desse conteúdo é muito lento. Você tinha que buscar isso. Em uma eleição de 45 dias, se leva 15 dias para retirar o conteúdo, o que cria um prejuízo irrecuperável. Então, a norma específica se deu por conta de regras específicas da lei eleitoral. Que exigem resposta de caráter cautelar para não criar o prejuízo irrecuperável. Este é o sentido da decisão da lei eleitoral. Agora, o que temos que ter, é uma lei perene, com segurança jurídica, que dê tranquilidade. Por isso temos que buscar um caminho amplo de debate na sociedade.
Então, o senhor acha que o melhor caminho é fazer um debate, e o Executivo apresentar um projeto de lei, fazer alguma coisa com a colaboração dos outros poderes? E se vier do Congresso, é confiável? O projeto pode entrar de um jeito e sair completamente diferente?
Pode. Mas acho que o governo deve ser uma parte do debate. O Judiciário, o MP, as universidades, a academia, as plataformas, os usuários, todos nesse momento, devem apresentar suas opiniões. Construímos aquilo que chamo de consenso progressivo. Quer dizer, até onde a sociedade brasileira está madura e disposta a ir. Uma legislação começa, e essa tem que ser muito consensuada. E quando falo isso não tenho a expectativa de que 100% da população vá concordar, mas precisa ter uma imensa maioria de apoio. E isso, repito, é um debate que está sendo feito no mundo inteiro.
Hoje, praticamente cada país tem procurado encontrar o seu modelo, que preserve a democracia, o interesse público e, ao mesmo tempo, não colida com cláusulas pétreas da Constituição, como é o princípio da liberdade de expressão.
Acompanhando esses primeiros dias do governo Lula, algumas manifestações do presidente têm gerado muita polêmica, como sobre a autonomia do Banco Central. Como as manifestações impactam a gestão?
O Brasil tem o maior juro do mundo. O que o presidente Lula tem dito, e concordo, é que o Banco Central é responsável por executar as normas, as decisões do Conselho Monetário Nacional. O Conselho diz que o BC deve ter três objetivos: a defesa da moeda, que é o combate à inflação, os juros, e o pleno emprego. O Conselho não faz uma hierarquia. Ele diz que compete ao BC fazer uma política monetária. Evidentemente que o juro excessivo vai na contramão do pleno emprego, porque desestimula o setor produtivo. É um juro impeditivo. Temos quase uma crise de crédito porque as pessoas não querem pegar dinheiro. Então, acho que o presidente Lula consegue capturar o sentimento da sociedade. E que boa parte do empresariado produtivo brasileiro defende. Lula consegue expressar o sentimento, que é o da maioria da população, que quer ver o país crescer, gerar emprego.
Ministro, há uma cautela, já que o presidente Lula assume o seu terceiro mandato em meio a uma situação inédita, com cenários interno e externo completamente distintos dos mandatos anteriores?
Claro que a situação do Brasil é muito delicada. A economia do país foi muito abalada, não só pela pandemia, mas pela forma como ela foi conduzida. O governo anterior usou R$ 300 bilhões de dinheiro público durante a campanha eleitoral para tentar garantir a eleição. Houve um processo de verdadeiro saque de dinheiro público como jamais vimos no país. E isso criou uma situação gravíssima do ponto de vista do equilíbrio das contas públicas. Mas o presidente Lula é uma pessoa que tem enorme capacidade de compensação social, credibilidade internacional e capacidade de diálogo com o Congresso. Achamos que, por mais difícil que seja essa situação, temos plenas condições de ter uma resposta positiva, como o programa de obras paralisadas, no qual investiremos R$ 22 bilhões. Retomamos o programa Minha Casa Minha Vida, que há sete anos não assinava contratos no país. Lançamos o programa Fila Zero, para acabar com a espera de cirurgias eletivas. E vamos lançar, nesta semana, o novo Bolsa Família de R$ 600 e mais R$ 150 para cada criança de até seis anos. Estamos mostrando que é possível fazer essa roda girar o país. É dessa maneira que vamos trabalhar.
A pauta da Reforma Tributária é a prioridade?
A Reforma Tributária é mais um tema da sociedade do que propriamente do governo. O Brasil chegou no processo de esgotamento desse modelo, que desestimula. A guerra fiscal, a fragilidade das legislações tributárias, que criam ambiente de judicialização, tudo isso torna uma matéria fundamental e decisiva para o país. Acreditamos que as mudanças são prioridade, mas somente serão aprovadas se tivermos um ambiente social no Brasil que sensibilize o Congresso a tomar as medidas necessárias.
O senhor acha que parlamentares não vão continuar polarizando o debate?
Nós temos condições de compor essa base, e estamos trabalhando nesse sentindo, então temos condições compor uma maioria suficiente para aprovar essa reforma tanto na Câmara quanto no Senado.
O senhor acredita que o programa de governo vai conseguir se manter ou o PT vai ter que flexibilizar alguns pontos?
Esse governo não é do PT, mas de um conjunto de setores da sociedade que construíram essa unidade em torno da chapa do Lula e do Alckmin.
O papel do Alckmin é similar ao do José de Alencar?
É um papel muito importante e relevante. Acho que o Alckmin é a representação da busca dessa unidade para além dela. O tema da democracia tornou-se um tema tão importante no Brasil que eventuais detalhes de diferenças programáticas entre nós ou entre outros setores são absolutamente menores e irrelevantes diante da necessidade de defender o Estado Democrático de Direito e a democracia. Então, esse governo tem essa tarefa. E o presidente Lula tem o foco muito claro, que é o combate à pobreza, acabar com a fome.