A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com a empresa Microbiológica e o Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos (CIEnP), trabalha para desenvolver um antiviral de uso oral contra a Covid-19.
Pesquisa da fundação demonstrou que a substância, batizada de MB-905 e purificada a partir da cinetina, demonstrou-se eficaz para inibir a replicação do vírus Sars-CoV-2 em linhagens de células humanas hepáticas e pulmonares, além de auxiliar a frear o processo inflamatório desencadeado pelo vírus.
A pesquisa, publicada na revista científica Nature Communication, teve o dossiê pré-clínico encaminhado à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que, a partir da aprovação do órgão, seja iniciada a primeira fase de ensaios clínicos do antiviral.
O pesquisador Thiago Moreno, do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde, um dos principais autores do estudo, disse que “a ideia é que a gente possa então cumprir todas as etapas necessárias para o desenvolvimento desse medicamento no Brasil, desde a fase de planejamento, síntese, caracterização química, caracterização de mecanismo de ação e os estudos pré-clínicos de segurança, tolerabilidade e eficácia. Nosso objetivo é que essa substância possa se tornar um antiviral inovador, desenvolvido no Brasil desde a sua concepção, visando a que a gente tenha mais independência nesse tipo de tecnologia, de alto custo de importação para o SUS [Sistema Único de Saúde]“, explicou.
A substância MB-905 desorganiza o genoma do vírus e causa uma catástrofe na síntese do material genético (RNA), processo crucial para a replicação viral. Além de atuar como antiviral, a substância também conseguiu frear o processo inflamatório desencadeado pelo novo coronavírus, o que é fundamental para combater a Covid-19, já que a doença também serve como gatilho de uma resposta inflamatória no organismo do paciente. Isso influenciou a pesquisa desde o ponto de partida.
“Ajustamos o nosso processo de identificação de substâncias a partir de algumas premissas: a substância precisava ser antiviral; precisava ser antiviral numa célula-alvo, como as células do trato respiratório; precisava funcionar como antiviral também em células do sistema imune, que o vírus consegue invadir e destruir, como os monócitos; e precisava reduzir os níveis de marcadores inflamatórios associados com a infecção viral”, explicou Thiago Moreno.
“Não estou buscando um antiviral sozinho, como a dexametasona, como uma aspirina. Esse produto não consegue reduzir qualquer tipo de inflamação, mas somente uma inflamação seletiva induzida pelo vírus. A gente entende também que isso pode ajudar essa substância a ter potencialmente uma janela terapêutica um pouquinho mais ampla, por conseguir talvez reduzir tanto a fase antiviral quanto a fase inflamatória associada ao vírus”, afirmou.
Os pesquisadores explicaram, ainda, que a Covid-19 não vai ser curada com um único medicamento. Segundo eles, vai ser necessário administrar um coquetel de medicamentos para tratar os casos mais graves da doença e aqueles de maior risco, como os de pacientes com comorbidades. Com base no mecanismo de ação da MB-905, portanto, o grupo investigou que substâncias podem potencializar o efeito da cinetina.
O estudo também identifica vantagens do MB-905 em relação a outras substâncias cujo benefício clínico já havia sido demonstrado em ensaios independentes. O remdesivir, por exemplo, é injetável, enquanto a cinetina pode ser administrada como comprimido, possibilitando que o paciente receba o medicamento o mais precocemente possível.
Já em relação ao molnupiravir, o MB-905 obteve melhores resultados em testes de segurança.