Uma imensa fila às portas do Sine Municipal de Porto Alegre, no Centro Histórico, e no interior do local no início da manhã desta segunda-feira se mostrou o retrato de um projeto gratuito que está levando às mulheres o sentimento de preservação do patrimônio histórico. Desenvolvido pela ONG Mulher em Construção, de Porto Alegre, em parceria com o estúdio de conservação e restauro Sarasá, de São Paulo, mas que está realizando obras no Rio Grande do Sul, entre elas o restauro do Palácio Piratini, o treinamento envolve uma importante função social.
A proposta busca capacitar pessoas do sexo feminino acima de 30 anos de idade, e que estejam interessadas no restauro de prédios tombados do Centro Histórico da Capital. Mais ainda: além do aprendizado e da nova percepção pela arquitetura da cidade, as 20 selecionadas desta primeira etapa receberão por isto R$ 1,7 mil de salário mensal, mais vale-refeição e vale-transporte. Quem não for selecionada neste primeiro momento poderá ser chamada posteriormente, e não houve exigência de experiência prévia.
As primeiras chegaram às 5h ao local para entregar os currículos, participar da seleção e torcer para o ingresso no projeto, que inicia no mês que vem, em um local que ainda não pode ser divulgado. A presidente da Mulher em Construção, Bia Kern, estava radiante, e também surpresa com a elevada quantidade de pessoas presentes durante as inscrições. Segundo ela, em apenas 10 minutos após as inscrições serem divulgadas no WhatsApp, 900 mulheres se mostraram interessadas.
“Repercute exatamente a situação do desemprego atual. Temos poucas vagas, queríamos contemplar muitas mais, mas esperamos realmente que haja mais obras de restauração do tipo de Porto Alegre”, comentou ela. “É preciso que as mulheres acreditem que devem estar onde elas quiserem”. A ONG está sediada na Fundação Cultural Vila Flores, onde trabalha com restauros desde 2013. No ano passado, houve uma aproximação maior com o estúdio Sarasá, que inclusive contratou algumas das mulheres capacitadas na ocasião para trabalhar no Piratini.
Funcionamento do processo de restauro
Agora, elas estão ensinando outras pessoas da comunidade como o processo de restauro funciona. Jokasta Tecchio, estagiária de Arquitetura do estúdio Sarasá, afirmou estar feliz com esta ocupação destes espaços de trabalho por parte das mulheres. “É muito importante que elas consigam um espaço para poderem, muitas vezes, trazer um sustento a suas famílias. Houve pessoas que inclusive trouxeram cadeira de praia para ficarem sentadas, aguardando. É uma surpresa muito boa”, disse.
Josiane Maciel, autônoma e moradora de Alvorada, saiu às 5h20 da cidade da região Metropolitana para buscar uma vaga no projeto. Ela conta que passou a gostar por acaso da área da construção civil, e já realizou algumas reformas em casa. “Tenho carrinho de mão, fiz o piso da piscina, a calçada. Tudo o que estiver ao meu alcance, farei. Não é mais um tabu esta participação feminina. Muitas vezes você contrata um serviço, e não fica como você gostaria. Então, pensei, vou dar minha cara a tapa, e se não der certo, ao menos tentei. Espero que ninguém desista disto”, afirmou.
Já Alline Fortes da Silva, mãe solo e moradora do bairro Passo das Pedras, em Porto Alegre, trouxe no colo a filha Izabelly, de apenas 2 anos, pois não tinha com quem deixá-la. Ela embarcou no ônibus às 7h e chegou ao Sine Municipal às 8h. Experiente em construção civil, tendo atuado até em obras na Arena do Grêmio, ela hoje depende de auxílio do governo para se sustentar. “Gostaria muito de trabalhar. Em fevereiro, começa a creche da minha filha. Primeiro penso em Deus, segundo nela o tempo todo. Quero dar uma ajuda melhor para minha filha. Poder comprar as coisas para ela e ter minha independência”, comentou ela.