Caso Eliseu: quarta-feira começa com debates e sentença deve sair no fim da tarde

Depoimentos dos réus terminaram na noite desta terça-feira

Foto: Marcio Daudt/TJRS

Terminou após as 21h desta terça-feira a fase de interrogatório dos três réus acusados de corrupção, delito conexo ao crime doloso contra a vida do então vice-prefeito e secretário da Saúde de Porto Alegre Eliseu Santos, morto a tiros em fevereiro de 2010, ao sair de um culto, no bairro Floresta.

Marco Antônio de Souza Bernardes (ex-assessor jurídico da Secretaria de Saúde), Cássio Medeiros de Abreu (enteado de Marco Antônio) e José Carlos Elmer Brack (ex-presidente do PTB em Porto Alegre, que atuou na Secretaria) foram acusados pelo Ministério Público Estadual de participar de um esquema de pagamento e recebimento de propina na Pasta.

Apontado como a pessoa que compareceu à empresa de vigilância Reação – contratada que fazia a vigilância de postos de saúde da capital – para buscar dinheiro de propina, o último réu a depor, Cássio, hoje com 34 anos e músico, negou participação no esquema. Ele disse que, a pedido de Marco Antônio, fazia apenas “uma banda”, já que, na época, era motoboy. Cássio confirmou que sabia da missão de buscar no local R$ 4 mil, referentes a uma devolução referente ao resgate de um veículo roubado, de propriedade de um tio dele. Cássio também relatou que esteve na Reação duas vezes e que voltou ao local porque, na primeira oportunidade, não teve o valor entregue – somente um envelope que, segundo ele, parecia conter uma placa de veículo e uma caixa.

“Recordo que o grande impacto que tive foi com toda a questão da mídia. Cheguei a estar em capa de jornal. Nunca tive filiação política, tenho aversão a partido político, jamais participaria. Para mim, era só mais uma entrega”, declarou.

Na segunda visita à Reação, ele afirmou ter se sentido desconfortável em razão do ambiente “com armas e dinheiro”. Cássio descreveu uma das cenas que lhe chamou mais atenção: notas de dinheiro em uma mesa e uma pessoa armada dizendo a ele: ‘vai, pega!’, em tom de brincadeira.

“Não me senti confortável. Apesar de achar tudo muito esquisito, terminei o meu trabalho. Meu pai por me proteger foi lá e fez essa ocorrência (apontada no processo pelo Ministério Público), mas não senti necessidade de ir à polícia”, afirmou.

O réu recordou, também, de uma situação em que contou o dinheiro recebido – os R$ 4 mil – e ouviu de uma pessoa que, pela demora na contagem, não servia “nem para policial e nem para bandido”.

Amanhã, o júri retoma às 8h30min com os debates. A previsão é de que o julgamento se encerre no fim da tarde desta quarta-feira.

Segundo réu depôs por mais de seis horas

O interrogatório do segundo réu, Marco Antônio de Souza Bernardes, ex-assessor jurídico da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) e pai de Cássio, se estendeu ao longo de toda a tarde e início da noite.

De acordo com a acusação, ele aparece em um vídeo recebendo um envelope que supostamente continha os valores pagos para garantir a manutenção da Reação à frente do serviço terceirizado de vigilância nos postos de saúde. Marco Bernardes negou todas as acusações.

Filiado ao PTB, e no serviço público municipal desde 2004, Marco Antônio afirmou que a filmagem se trata de uma montagem com a intenção de incriminá-lo. Disse que um dos donos da Reação, Jorge Renato Hordoff de Mello tinha ligações com as polícias e que era comum ele e o sócio Marcelo Pio comparecerem em viaturas à SMS.

Bernardes disse que sofreu um assalto e que recebeu uma ligação de Marcelo Pio para comparecer à empresa. “Ele me liga e me diz que o caso era mais sério. Eu fui na empresa e ele abriu o computador e na tela do Consultas Integradas ele me mostrou que bandidos sabiam tudo da minha vida, até onde minha filha estudava”, contou.

Sobre o enteado, Bernardes afirmou que Cássio apenas compareceu à Reação para buscar um documento. Marco Antônio nega que tenha recebido propina e trabalhado como advogado para a Reação.

O ex-assessor Jurídico da SMS explicou, também, que a perda do contrato da empresa de vigilância se deu em razão de má gestão. O réu disse que o contrato firmado previa a prestação de vigilância em 39 postos de saúde da cidade, mas que houve a ampliação para 55. Para tanto, de acordo com ele, as partes assinaram um aditivo contratual e, durante esse trâmite, a empresa não recebeu pelo trabalho realizado nos novos postos em que atendia. Marco Antônio disse ainda que apenas emitia pareceres e que não tinha o controle da legalidade contratual – o que cabia à Procuradoria-Geral do Município.

De acordo com o ex-assessor da SMS, a Reação passou a apresentar deficiência na prestação do serviço e a receber sanções, o que explica o comparecimento dos donos da empresa à sede da Pasta.

Questionado pela defensora sobre “o que Cássio perdeu?”, o réu respondeu com a voz embargada: “A vida”. Bernardes relatou que a família passou por dificuldades. “O meu filho (réu Cássio, enteado dele) antes estudava em escola particular. Fomos morar em um kitnet. Cássio foi se inscrever como motorista de aplicativo e constava que ele era réu desse processo”, disse, chorando.

O interrogatório do réu se encerrou com as perguntas dos advogados de defesa. “Ratifiquei uma sanção de R$ 21 mil (contra a Reação) e disseram que recebi R$ 10 mil. Isso não faz sentido”, afirmou o réu, ao ser perguntado sobre as multas aplicadas à empresa de vigilância pelo serviço prestado.

Marco Antônio explicou que, entre dezembro de 2008 e maio de 2009, a Reação prestou serviços sem contrato com a SMS, uma vez que a empresa não apresentou as certidões negativas, necessárias para a regularização do aditamento do contrato. Ele falou, ainda, sobre o arquivamento da sindicância da qual era alvo, em que a Prefeitura não apontou ato em desacordo com as funções que exercia.

“Fiquei preso por nove meses em uma cela que era para ser especial, mas tinha 30 pessoas dormindo no chão. Fiquei encarregado da limpeza dos banheiros. Minha expectativa é provar a minha inocência, não peguei nenhum centavo da Reação”, finalizou.

Sobre o caso

Na noite de 26 de fevereiro de 2010, Eliseu, de 63 anos, a esposa e a filha, de apenas sete, saíam de um culto religioso, no bairro Floresta, quando dois homens o abordaram: Eliseu Pompeu Gomes e Fernando Júnior Treib Krol. O secretário, armado, chegou a atingir os executores, mas sofreu um tiro fatal no coração.

Polícia Civil e Ministério Público divergiram quanto à motivação do crime. A investigação conduzida à época apontou que Eliseu havia sido vítima de um latrocínio.

A versão dos fatos que é julgada, entretanto, é a do MP – que sustenta que a morte havia sido encomendada. Isso porque o secretário descobriu um esquema de corrupção, envolvendo a empresa Reação. Com isso, 12 pessoas responderão pelo assassinato. Cinco já foram condenados e um absolvido pelo Tribunal do Júri, entre 2016 e novembro deste ano.

Julgamentos anteriores

21/05/2016 – Eliseu Pompeu Gomes e Fernando Júnior Treib Krol, acusados de serem os executores do crime, foram condenados a 27 anos e 10 meses de reclusão e 1 ano de detenção;

22/09/2022 – Robinson Teixeira dos Santos, acusado de ser o motorista da ação), condenado a 32 anos, 1 mês e 15 dias de reclusão e 1 ano e 4 meses de detenção;

19/10/2022 – Jorge Renato Hordoff de Mello, acusado de ser o mandante do crime, condenado a 42 anos e dois meses de reclusão;

23/11/2022 – Marcelo Machado Pio, acusado de ser o mentor do crime, condenado a 35 anos e 15 dias de reclusão e 1 ano e 8 meses de detenção; Jonatas Pompeu Gomes, inocentado, respondia por participação na organização do crime.