Sem consenso no Congresso quanto à proposta de emenda à Constituição (PEC) do estouro, o governo de transição trabalha com a possibilidade de aceitar extrapolar o teto de gastos para bancar o Auxílio Brasil, que volta em 2023 a ser chamado de Bolsa Família, por um período limitado, de pelo menos dois anos, e não de forma permanente.
A necessidade de ceder ocorre justamente porque não há um plano alternativo do PT caso a PEC do estouro não seja aprovada. Foi o que afirmou o coordenador dos grupos técnicos da equipe de transição, Aloizio Mercadante. “O esforço está para construir a maioria e na urgência de aprovar no Senado e na Câmara”, disse, após anunciar um reforço de articuladores para viabilizar o texto já na próxima semana.
Lideranças petistas e de partidos políticos aliados ouvidas pela reportagem do R7 defendem que o período ideal da retirada do Bolsa Família do teto de gastos é de quatro anos. No entanto, diante da pressão feita por parlamentares, a equipe de transição avalia reduzir a validade da PEC, se essa for a única condição. O PT reitera, no entanto, que não aceita o prazo de um ano.
Valor do estouro também não é consenso
O valor do estouro é outro entrave. Membros do governo de transição consultados pela reportagem não abrem mão de conseguir pelo menos R$ 175 bilhões extras para viabilizar o Bolsa Família.
Como R$ 105 bilhões para bancar o benefício já haviam sido incluídos na proposta da Lei Orçamentária Anual (LOA), parlamentares da base de Jair Bolsonaro (PL) e de partidos independentes defendem a liberação extra apenas do valor para complementar a previsão.
Relator do Orçamento Federal de 2023 e autor da PEC do estouro, o senador Marcelo Castro (MDB-PI) reconhece que a falta de consenso atrasou o protocolo do texto, que só deve ocorrer na terça, após a chegada de Lula a Brasília, na segunda-feira.
“Os dois grandes desafios que temos para que o país continue funcionando são a aprovação da PEC do Bolsa Família e o Orçamento do próximo ano. Para que possamos focar na elaboração do Orçamento de 2023, precisamos que a PEC seja aprovada no Senado e na Câmara até o dia 10 de dezembro”, afirmou Castro.
O emedebista é defensor da permanência do Bolsa Família fora do teto de gastos por tempo indeterminado. No entanto, como há resistência de senadores, a tendência é que essa possibilidade seja avaliada no ano que vem, a partir de uma mudança na regra que limita o crescimento das despesas públicas à inflação.
Fontes de partidos não alinhados a Lula disseram que vão aguardar a chegada do texto para cravar uma orientação de bancada. A avaliação é de que, diante da demora para a entrega de uma proposta consolidada, não deve haver tempo para articular nada além da concessão de crédito extra para bancar o Bolsa Família.
O PL promete se opor a qualquer extrapolação do teto de gastos para além do próximo ano. “Com a gestão da máquina, o próximo governo que precisa se planejar e abrir espaço orçamentário”, indicou Marcos Rogério (PL-RO).
O líder do governo, Carlos Portinho (PL-RJ), antecipou que a base aliada de Bolsonaro se dispõe a a liberar R$ 80 bilhões para 2023. A proposta inicial da PEC prevê um estouro na casa dos R$ 200 bilhões.
“É preciso tentar buscar um canal de construção do que é possível. Se o impacto do que querem é muito maior, os juros altos, a inflação vão corroer o poder de compra justamente dos R$ 600 do auxílio”, argumentou Portinho.
“A bancada do PP e todas da base do governo serão oposição em qualquer proposta partidária. O que for justo, necessário, vai contar com o apoio”, afirmou o senador Guaracy Silveira (PP-TO).
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) — figura importante do mesmo MDB de Marcelo Castro (PI) — defende conseguir a liberação de créditos por meio de medida provisória. Para ele, a PEC “antecipa um desgaste” e não é o único caminho possível.