MPF instaura procedimento para investigar Bibo Nunes por fala sobre estudantes de universidades federais

Após a repercussão o parlamentar publicou outro vídeo em que afirma que teve sua fala deturpada

Deputado fez transmissão na internet com críticas | Foto: Reprodução CP

O Ministério Público Federal (MPF) acatou, nesta sexta-feira (21), representação contra a manifestação publicada pelo deputado federal Bibo Nunes (PL) em suas redes sociais, em que ele critica estudantes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). O pedido foi encaminhado pelo presidente da Assembleia Legislativa, deputado Valdeci Oliveira e o radialista Luciano Guerra. Os estudantes realizaram manifestações contra o presidente Jair Bolsonaro (PL), contra o corte de verbas e a favor de Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT à presidência da República.

Segundo a nota enviada pelo MPF, a partir do encontro, será instaurado um Procedimento Preparatório na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), “que atuará em conjunto com a PRM Santa Maria/RS, na averiguação da repercussão dos fatos sob a perspectiva da tutela coletiva, sem prejuízo do encaminhamento do material para apreciação do PGR na esfera criminal”.

O deputado federal, que não conseguiu se reeleger, citou o filme “Tropa de Elite”. “Ser rico não é problema. Mas ser rico e não ter noção, se fazer de coitadinho. É como aquele ‘Tropa de Elite’: pegaram os riquinhos ajudando pobres e queimaram vivos dentro de pneus. É isso que estes alienados merecem”, atacou o parlamentar. O vídeo foi ao ar no último dia 9 de outubro.

Bibo Nunes acrescentou mais críticas ao longo da transmissão. “Esses estudantes da UFSM nunca fizeram e nunca farão. Sempre dependeram da mesada do papai e da mamãe, são alienados. Se o Brasil dependesse desse tipo de jovem seria um caos, o mais fracassado do mundo”, afirmou. “Esses que foram protestar com viva Lula, Lula Lá. Vocês tem que viver no lixo, no esgoto, não produzem nada.”

O ex-reitor da UFSM, Paulo Burmann, saiu em defesa dos alunos em seu perfil pessoal do Instagram. “Triste em ver esse injusto e covarde ataque à UFSM, atingindo o conjunto de estudantes da Universidade. Ofendeu e desqualificou estudantes e suas famílias que se manifestaram pacificamente contra os cortes que vêm sendo feitos na educação, na saúde e na ciência para alimentar o orçamento secreto que, entre outras coisas, impossibilita que eles continuem seus estudos e que a ciência avance”, comentou.

“É agressivo o tempo todo, mas chega ao absurdo de intimidar jovens estudantes, inclusive ameaçando-os com morte e tortura”, lamentou. Santa Maria foi palco de uma das maiores tragédias recentes do Rio Grande do Sul. O incêndio da Boate Kiss, em 27 de janeiro 2013, deixou 242 pessoas mortas.

Repercussão
Após a repercussão da fala, Bibo Nunes publicou outro vídeo em que afirma que teve sua fala deturpada. “Quem me conhece sabe que jamais falaria esses absurdos, generalizando contra os estudantes. Falei do filme ‘Tropa de Elite’ e misturaram tudo”, disse.

“Eu me dou ao direito de não aceitar esse tipo de protesto. E eu disse que muitos desses estudantes – não estou generalizando – têm maconha e vão comprar, muitas vezes, de traficante. E eu disse que, no filme ‘Tropa de Elite’, jovens estudantes que sobem o morro para comprar droga, acabam sendo executados, queimados vivos”, argumentou. Ele continuou dizendo que pode ter se expressado mal, tendo utilizado uma força de expressão “que possa dar, a quem já está com maldade, uma má interpretação”. Bibo Nunes também declarou que jamais desejaria que estudantes sejam queimados vivos.

Universidades emitem notas
As universidades federais de Santa Maria e Pelotas emitiram notas sobre o ocorrido. A UFPel começa o documento afirmando que o caso “não seria digno sequer de comentários, não fosse este produzido por um integrante do parlamento brasileiro”. No texto, a instituição diz que Bibo Nunes desconhece o que é uma universidade pública e que é desprovido “de mínimo respeito com a população de Santa Maria”.

Já a UFSM escreveu que “repudia todo e qualquer discurso de ódio, de falta de civilidade, que não tolere as diferentes opiniões ideológicas e políticas e que incentive agressões à comunidade acadêmica ou a quem quer que seja”. A nota diz também que “toda vez que um estudante ou um servidor público da área da educação for atacado e/ou desqualificado, nos ergueremos em defesa da nossa comunidade e da nossa instituição, que é de Estado e não de um governo”.

Confira os textos na íntegra:
“Nota da Gestão da YFPEL – Ataques à UFPel e à UFSM
O vídeo que contém imagens do deputado Bibo Nunes ofendendo estudantes das Universidades Federal de Santa Maria (UFSM) e de Pelotas (UFPel) não seria digno sequer de comentários, não fosse este produzido por um integrante do parlamento brasileiro.

No vídeo, evidencia-se uma pessoa rancorosa, desequilibrada, desconhecedora do que é uma universidade pública e, sobretudo, desprovida de mínimo respeito com a população de Santa Maria.

Afora a série de despropositadas agressões verbais dirigidas aos estudantes da UFSM e da UFPel, desejar que estudantes morram queimados é algo torpe e vil. Tivesse o parlamentar a mínima sensibilidade, recordaria da trágica passagem que até hoje marca o povo santamariense e a comunidade acadêmica da UFSM.

Se, de um lado, a fala do Sr. deputado é desprovida de qualquer conhecimento da importância das Universidades Federais para a construção de um país cientificamente soberano; de outro, traz um sentimento de verdadeiro sadismo, ao desejar que jovens estudantes “morram queimados”.

O sentimento é de tamanha indignação, incredulidade e verdadeira tristeza que sequer comentários outros fazem-se necessários, especialmente considerando que, por mais que se tragam elementos que demonstrem o relevante papel das Universidades Federais na vida nacional, o destinatário destas ponderações demonstra ser desprovido da vontade de apreendê-los e do mais nobre sentimento de humanidade.”

“#SouUFSM: Nota à comunidade
A Universidade Federal de Santa Maria, enquanto instituição pública, plural e democrática, tem em seus valores institucionais o comprometimento com a educação e com o conhecimento pautados em liberdade, democracia, ética, justiça, respeito à identidade e à diversidade, compromisso social, inovação e responsabilidade. Desta forma, repudia todo e qualquer discurso de ódio, de falta de civilidade, que não tolere as diferentes opiniões ideológicas e políticas e que incentive agressões à comunidade acadêmica ou a quem quer que seja.

Nossos estudantes são nosso maior patrimônio e é através deles e do conhecimento gerado nas universidades que transformamos a sociedade. Toda vez que um estudante ou um servidor público da área da educação for atacado e/ou desqualificado, nos ergueremos em defesa da nossa comunidade e da nossa instituição, que é de Estado e não de um governo.   

É inegável que estamos fragilizados não só pelos seguidos cortes orçamentários que sofremos ano após ano. Precisamos relembrar que, infelizmente, não é somente neste período eleitoral que estamos sendo atacados. São diferentes tentativas de desqualificar a UFSM em razão de defendermos a educação pública de qualidade e, principalmente, por prezar pela livre expressão e pelo respeito à democracia.

Apesar de todos os ataques, todos os cortes, todas as tentativas de desmobilização e, principalmente deslegitimação, nossa comunidade segue respeitosa e arduamente trabalhando porque acredita na educação de qualidade, no ensino público e na democracia. E por isso merece respeito.”