Servidores do Ministério Público de SP denunciam assédio moral frequente no trabalho

Em questionário respondido por 777 funcionários, mais de 76% afirmaram que já sofreram assédio moral na instituição

Mais de 76% dos servidores que responderam a questionário dizem ter sofrido assédio moral ARTE R7

Perseguição, gritaria, desconfiança, pressão na execução do trabalho e diferença de tratamento entre funcionários e promotores, procuradores e membros da diretoria são exemplos de assédio moral sofridos por servidores do MP-SP (Ministério Público de São Paulo). Relatos como esse são comuns às vítimas ouvidas pelo R7. Para tentar modificar a cultura institucional, uma carta anônima foi enviada ao procurador-geral de Justiça, Mario Sarrubbo.

O estopim foi o suicídio de um funcionário dentro da instituição. O analista jurídico se jogou do prédio sede do MP, na capital paulista, em 29 de junho e morreu na hora.

“A forma que a instituição tratou o ocorrido foi horrorosa. No dia seguinte, o prédio funcionou. Trabalhamos com cheiro do formol usado na limpeza de onde estava o corpo. Só soltaram uma nota 24 horas depois. Isso foi a gota d’água. A partir da morte dele veio o despertar nosso. Ele ter feito isso no local de trabalho é simbólico. É um grito de ‘chega'”, afirmou uma das assinantes das cartas anônimas que prefere não se identificar.

“A forma que a instituição tratou o ocorrido foi horrorosa. No dia seguinte, o prédio funcionou. Trabalhamos com cheiro do formol usado na limpeza de onde estava o corpo. Só soltaram uma nota 24 horas depois. Isso foi a gota d’água. A partir da morte dele veio o despertar nosso. Ele ter feito isso no local de trabalho é simbólico. É um grito de ‘chega'”, afirmou uma das assinantes das cartas anônimas que prefere não se identificar.

“Fiquei com dor de estômago dos relatos. Deu para ter a amplitude do problema. O MP tem um canal de denúncias, mas é como denunciar o abuso para o abusador. Não funciona, não vai para frente. O assédio não vem só de promotores e procuradores, mas também da diretoria, são servidores com cargos de chefia”, revela a denunciante.

Denúncias

Entre os relatos de assédio sofridos dentro da instituição estão ameaças de que o funcionário não vai passar em concurso, que vão investigar a vida pregressa do candidato, que não vai ter boas referências, além da execução de funções como servir café ao promotor, buscar o carro no lava-rápido, em geral tarefas de cunho pessoal.

Também há casos de gritos e ameaças de abrir indevidamente um processo administrativo, uma espécie de sindicância interna para apurar a conduta do funcionário.

Segundo o levantamento, as denúncias de assédio moral estão em maior número. No caso do assédio sexual, as vítimas são mulheres que relatam ter que se agachar para pegar processos no chão ou serem colocadas contra a parede, por exemplo. São situações mais veladas e não acontecem na frente de todos.

Um servidor que não quer ter o nome revelado por medo de represália conta que sofreu perseguição após uma atitude desagradar os superiores.

“Me ligou gritando e disse que abriria procedimento contra mim. Comecei a receber advertências por um ou dois minutos que passei da hora do almoço. Fiquei sob estresse absurdo, sinalizei e nada aconteceu. Fui censurado por questionar. Telefonavam ou iam na sala para saber se eu estava trabalhando”, diz. E complementa: “Mesmo usando os instrumentos internos de investigação, não dá em nada e você fica marcado”.

De acordo com os servidores já assediados, 68,5% não levaram o caso a alguém ou denunciaram formalmente. Os motivos mais apontados foram medo de perseguição e “sabia que não daria em nada”.

As manifestações de assédio moral mais recorrentes, segundo o questionário, foram gritos, pedidos agressivos, ameaças e pressão psicológica.

Para o servidor que é formado em Direito, a cultura do assédio está arraigada na divisão entre membros (diretoria) e servidores.

“Se valem dos cargos de confiança para assediar. Os promotores de justiça não possuem formação técnica na gestão de pessoas e isso pode contribuir para tanto despreparo e autoritarismo. Isso é um gargalo terrível e contribui para a cultura do assédio e do medo de denunciar. A ideia não é caça às bruxas, quero que mude”, ressalta.

“Aquele olhar de carcereiro que olha o preso”

O levantamento apontou que 71,5% dos servidores conhecem alguém que tenha se afastado do trabalho por burnout, síndrome do pânico, transtorno obsessivo-compulsivo, depressão ou crise de ansiedade. Segundo a pesquisa, 30,1% disseram tomar remédio psiquiátrico controlado. Quando perguntados se o diagnóstico tinha a ver com o MP, 39,8% afirmaram que sim ou em parte.

Na pesquisa, os participantes associaram sentimentos como ansiedade, stress, tristeza profunda, exaustão física e mental, somatização, sensação de perseguição, desespero, apatia, vontade de largar o emprego e sumir, além de pensamentos de morte ao trabalho.

Segundo denunciantes, o MP abriu concurso para contratação de um psiquiatra e um psicólogo porque hoje há um psiquiatra para o estado todo e fila de espera para atendimento.

Uma analista de São Paulo que prefere não se identificar conta que tem uma longa carreira como servidora, desde o estágio, e acumula licenças-prêmio. Ainda assim, se sente perseguida.

“Quando engravidei, passei a sofrer perseguição. A pessoa não teve a menor consideração, ficava me controlando para ver se eu não estava com sono, me ligando. Não podia levantar da cadeira, ficava segurando o xixi, e tinha cada vez mais trabalho. Dei muito de mim e ela se mostrou uma carrasca”, lembra.

Ao voltar da licença maternidade, teve depressão pós-parto e burnout. Começou a tomar antidepressivo e teve de se afastar momentaneamente do trabalho. Ela já pensou em deixar o MP e abrir mão da estabilidade do cargo ao ter crises de ansiedade só de estacionar o carro no fórum.

“Falei que me sentia com déficit cognitivo, que não tava no meu normal. [chefe] Veio com pressão, mostrou que estava pouco se lixando pro meu caso. A sensação é que somos o tempo todo vigiados, que não merecemos a confiança deles. Aquele olhar do carcereiro que olha para o preso, bem essa sensação”, descreve a servidora.

“Chegava uma mensagem e eu começava a tremer e chorar”

Depois de cinco anos de carreira, uma ex-servidora que também não será identificada decidiu deixar a instituição no ano passado. Ela não conseguiu se blindar da pressão, engordou 15 quilos no processo e passou a sofrer de depressão profunda. Ela denuncia a desigualdade de tratamento.

“Parecem besteiras, mas a água é diferente para servidores e promotores, os banheiros são diferentes, até o papel higiênico. A gente sofria cobranças e represálias. Não podia fazer uma pergunta e jogava trabalho no lixo. Chegou um ponto em que chegava uma mensagem, eu começava a tremer, chorar, me afetava demais”, disse.

O MP tem um canal de denúncias, mas é como denunciar o abuso para o abusador. Não funciona, não vai para frente.

SERVIDORA MP-SP

Segundo ela, o assédio é forte por parte de promotores, mas também de servidores mais antigos. Ouviu gritos, reclamações, foi ignorada e sofreu ameaças até que a psiquiatra a alertou que não estava mais em condições de continuar na atividade.

“Foi destruindo minha saúde mental. Acordava à noite, do nada, com crises de ansiedade. Hoje estou muito melhor, mas não 100%. Continuo em tratamento, terapia, e buscando outras áreas para trabalhar. Estou me afastando do mundo jurídico”, revela.