Efeito de mudanças de comportamento e da corrosão do poder aquisitivo frente à inflação, a carne bovina vem perdendo espaço na dieta do brasileiro. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que o consumo per capita da proteína animal fique em 24,8 quilos em 2022 – o menor nível desde 1996, ano de início do levantamento. De acordo com os dados, o resultado mais alto da série histórica verificou-se em 2006, quando a quantidade consumida no país era de 42,8 quilos por pessoa. Em 2013, o consumo anual caiu para 38,3 quilos e, desde então, o indicador mostra declínio, ano após ano.
Para o presidente do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados no Estado (Sicadergs), Ronei Lauxen, os dados não surpreendem e refletem as dificuldades econômicas da população, que tende a substituir a carne bovina por proteínas mais acessíveis. “Isso se acentuou nos últimos dois anos, a partir da pandemia. Tivemos um crescimento nos custos de produção, mas as carnes de frango e suíno continuam com preços inferiores”, explica. Segundo dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os preços de alcatra, picanha e contrafilé, por exemplo, subiram 9,20%, 9,21% e 11,12%, respectivamente, no período de 12 meses encerrado em junho, enquanto a variação do subgrupo de carnes em geral ficou em 3,92%.
No caso do Rio Grande do Sul, Lauxen observa que a substituição de áreas de pecuária por lavouras de grãos acabou reduzindo o rebanho bovino, o que impactou a oferta de animais para abate e, consequentemente, a atividade dos frigoríficos e o consumo na ponta. “Não tem uma perspectiva de mudança significativa em curto prazo. Dependemos de uma melhora na renda do trabalhador”, considera o empresário. Em termos nacionais, a Conab projeta a produção de 8,115 milhões de toneladas de carne bovina para 2022 – o menor nível em mais de duas décadas.
Com base nos dados da companhia, o professor Júlio Barcellos, coordenador do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (NESPro) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), avalia que, sem uma recuperação da renda, o atual nível de consumo per capita de carne bovina deve se estabilizar ou despencar ainda mais. Mais dinheiro no bolso do brasileiro, porém, pode não significar um retorno ao patamar anual de 40 quilos por pessoa. “De um lado, o consumidor empobrece e, de outro, a carne se torna mais cara, assemelhando-se aos preços praticados na Europa e nos Estados Unidos”, compara Barcellos. “É natural um comportamento mais cuidadoso do consumidor, e isso é influenciado por jovens que têm uma cultura mais voltada para o bem-estar animal”, completa.
Ainda assim, o consumo per capita de 24,8 quilos de carne bovina é considerado elevado na comparação com países desenvolvidos. Se considerada a quantidade de proteína bovina, suína e de frango consumida por ano, o indicador per capita de carnes em geral no Brasil chega a 90 quilos. “É praticamente 300 gramas por dia, um consumo bastante alto, semelhante ao de Estados Unidos, Canadá e Japão”, salienta Barcellos.