Porto Alegre: movimentos e entidades fazem protesto após demolição da casa de Caio Fernando Abreu

Mobilização deve realizar tratativas para construir memorial no local

Foto: Guilherme Almeida/Correio do Povo

Após a demolição da casa onde Caio Fernando Abreu morou nos últimos anos de vida, um grupo de artistas, vizinhos, movimentos culturais, entidades e apreciadores da obra do escritor gaúcho realizaram um protesto, no começo da tarde desta terça-feira. Em frente à residência agora demolida, no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, foram fixados dizeres como “Aqui Viveu Caio Fernando Abreu, um dos melhores!!! Caio F. Vive”. O sobrado, localizado na rua Oscar Bittencourt, é citado em textos do autor como no livro A Vida Gritando nos Cantos.

A mobilização contou com falas dos presentes, como a da atriz Débora Finocchiaro, que leu uma carta aberta, escrita pela Associação Amigos do Caio Fernando Abreu (AACF). “Acreditamos que seria de interesse público, não apenas nosso enquanto associação, mas também de uma legião de admiradores, leitores, pesquisadores, família e amigos do Caio, que a autorização desta demolição fosse suspensa e que a casa fosse tombada e não destruída. Pois esse lugar era patrimônio cultural e, assim, deveria ser preservada”, cita um trecho do texto.

À Rádio Guaíba, Débora lamentou a demolição e destruição de parte da história do ícone da literatura mundial. “Eu estou bem emocionada porque é chocante ver essa casa destruída. É a destruição da espécie humana”, desabafou. A AACF existe desde 2011, ano em que ocorreu o leilão do imóvel. Na época, o movimento Salve a Casa do Caio tentou evitar o processo, mas sem sucesso.

A licença para demolição total do imóvel, expedida pela prefeitura, saiu em abril deste ano, com o desmonte tendo iniciado na última semana. Ao tomar conhecimento da demolição, através da imprensa, a deputada estadual Sofia Cavedon (PT) procurou a prefeitura de Porto Alegre para tentar pausar os trâmites. “Como não estava inventariado, o licenciamento sequer considerou o valor cultural. Entrei com pedido de audiência pública na comissão [Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa] para ajudar a ação jurídica da AACF e para abrir um espaço de diálogo”, comentou a parlamentar. Sofia informou ainda que entrou com representação junto à prefeitura e acionou a Promotoria Meio e Ambiente e Patrimônio do Ministério Público.

“Começou toda uma comoção e a empresa poderia ter esperado a derrubada”, ponderou. A mobilização deve manter a tentativa de construir um memorial no local. “A gente tem que exigir que seja reconstruído aqui um memorial, um espaço que possa marcar a presença do Caio. Isso era viável e nós queríamos fazer antes da demolição”, acrescentou a deputada.

O secretário da Cultura de Porto Alegre, Gunter Axt, informou à reportagem que a edificação havia sido pré-inventariada, em 1979, mas acabou não sendo contemplada à época. Os inventários dos bairros foram revistos, ao longo do anos, e complementados, como no caso do Moinhos de Vento e do Petrópolis. “O inventário geral do Menino Deus acabou não evoluindo no seu conjunto como deveria”, explicou. Já em relação ao tombamento, Axt disse que não há registro de pedidos por entidades ou pessoas físicas nesse sentido.

“O setor que cuida da memória acabou não sendo provocado. Isso contribuiu para que não entrasse no radar. Eu acho uma pena. Confesso que quando eu soube que isso estava em andamento tentei colher as informações necessárias para entrar com postergação. Mas não é uma coisa simples de fazer”, afirmou. Também segundo Axt, o proprietário do imóvel não cometeu ilegalidades, já que recebeu autorização técnica de demolição.

A secretaria do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, responsável pela liberação para a demolição, informou que concedeu a licença em 25 de abril, “de acordo com as regras de licenciamento urbanístico e ambiental da Capital”. Em nota, a Pasta disse ainda que “trata-se de uma área particular e não consta na lista de imóveis tombados ou inventariados pelo Patrimônio Histórico e Cultural de Porto Alegre. A análise da equipe da Secretaria é meramente técnica, seguindo o regramento vigente na Capital”.

A reportagem procurou os proprietários do imóvel, assim como o responsável técnico pela demolição, mas não obteve retorno até esta publicação.

Caio Fernando Abreu nasceu em Santiago, na região central do Estado, e morreu em 1996, em Porto Alegre, em decorrência da AIDS. Entre as principais obras do escritor, Morangos Mofados (1982), Ovelhas Negras (1996) e Onde andará Dulce Veiga? (1994).