Cerca de 36 mil mulheres são vítimas de perseguições e violência psicológica em todo o país. A 16ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e divulgado nesta terça-feira (28), traz pela primeira vez dados sobre crimes de stalking e violência psicológica. De acordo com o estudo, em 2021, foram registrados 27.722 casos de perseguição e 8.390 de violência psicológica.
Ambas foram inseridas no Código Penal no ano passado. A perseguição é considerada um importante indicador de risco de morte. A perseguição, explicam as pesquisadoras, precisa ser recorrente para se configurar, já a violência psicológica pode ocorrer uma única vez desde que cause um dano emocional às vítimas.
Embora a violência psicológica estivesse prevista na Lei Maria da Penha, as pesquisadoras afirmam que a responsabilização dos autores ainda precisava de uma tipificação mais adequada e ampla. Isso porque a tipificação dos crimes ainda não é amplamente adotada por instituições policiais – o que impacta nos dados.
“Há urgência em considerar outros tipos de violência contra as mulheres, compreendendo-a enquanto um problema complexo”, dizem as pesquisadoras. “Para enfrentá-lo, é necessário pensar em políticas integradas, uma vez que se trata de uma violência multicausal.”
A cada um minuto, polícia recebe uma denúncia de agressão
A cada um minuto, ao menos uma pessoa liga para as polícias militares do país para denunciar uma agressão decorrente de violência doméstica. O estudo mostra que entre os anos de 2020 e 2021 houve um crescimento de 23 mil novas chamadas de emergência para o número 190 das polícias militares para atendimentos de casos de violência doméstica. Isso equivale a um aumento de 4% de um ano para o outro.
O estudo aponta ainda que, ao mesmo tempo em que houve um crescimento nas chamadas de emergência para casos de violência doméstica, houve uma queda de 5,3% no total de ligações para o número no mesmo período. De acordo com as pesquisadoras Juliana Martins, Amanda Lagreca e Samira Bueno, responsáveis pelo levantamento, mais pessoas têm procurado as instituições em busca de ajuda. Isso pode indicar, segundo elas, que mulheres tenham sofrido mais violência ou que as pessoas estejam menos tolerantes às violências cometidas conta a mulher na esfera doméstica.
Os números de denúncias apontam, segundo o Anuário, que as polícias militares estão cada vez mais demandadas a atuarem nesses casos. Isso reforça, de acordo com as pesquisadoras, a relevância de todo o efetivo policial estar capacitado para atender mulheres e não somente unidades especializadas. O Anuário mostra ainda que estados como Acre e São Paulo tiveram um aumento no número de ligações de emergência para a violência doméstica e uma queda no número de feminicídios. Já os estados de Pernambuco e Rio de Janeiro registraram o inverso: uma queda em ligações de emergência e aumento nos feminicídios.
O estudo acende um alerta para o crescimento de todas as formas de violência contra mulheres no último ano. Os números apontam um crescimento de 3,3% na taxa de registro de ameaças e aumento de 0,6% nas lesões corporais dolosas. Os registros de crimes de assédio sexual e importunação sexual também cresceram 6,6% e 17,8% respectivamente.
“O Brasil é um país violento para mulheres e os casos acontecem dentro de casa. Oito em cada 10 agressores são parceiros íntimos. Sair da relação é um gatilho. Ela sai da relação e é assassinada”, afirma Samira Bueno, pesquisadora do Fórum.
Violência letal contra mulheres
O Anuário revela ainda que houve uma queda de 3,8% na taxa por 100 mil mulheres de homicídios femininos. No caso dos feminicídios, a tipificação que qualifica o crime de homicídio, a queda foi de 1,7% na taxa entre os dois anos. “Mesmo com a variação, os números ainda assustam, já que nos últimos dois anos, foram 2.6995 mulheres foram mortas pela condição de serem mulheres”, dizem as pesquisadoras. Dessas, foram 1.354 mortes em 2020 e 1.341 em 2021.
O estudo demonstra que ainda existem obstáculos para a correta tipificação dos crimes, uma vez que fica a cargo das instituições dos estados enquadrar as ações enquanto feminicídios. No Ceará, por exemplo, há apenas 9,1% de feminicídios no total de homicídios de mulheres. Já em Tocantins, os feminicídios equivalem a 55,3% das tipificações e o Distrito Federal, registrou a proporção de 58,1%. “Percebemos que as autoridades policiais possuem mais facilidade em classificar um homicídio de uma mulher enquanto feminicídio, quando este ocorre no contexto doméstico, com indícios de autoria conhecida: o companheiro ou ex-companheiro.”
Uma característica revelada pela análise dos dados apresentados pelo Anuário é que enquanto as mortes violentas intencionais vitimizam mais os jovens, mulheres são vítimas do feminicídios em todas as faixas etárias. O estudo aponta ainda que é possível que haja uma possível subnotificação de mulheres negras enquanto vítimas de feminicídio, uma vez que são consideradas menos vítimas do que mulheres brancas. Ou seja, há a possibilidade de que mais mulheres negras sejam incluídas na categoria de homicídios dolosos ao invés da categoria feminicídio.
Os dados indicam ainda que uma mulher é vítima de feminicídio a cada 7 horas, o que significa dizer que, ao menos 3 mulheres morrem por dia no Brasil por serem mulheres. O ambiente doméstico, a casa, continua o local em que elas são mais vítimas desse tipo criminal, cerca de 65,6% do total de crimes cometidos ocorreu nas casas. Nos demais casos de mortes violentas, o local do assassinato foi locais públicos.