O Ministério Público Federal (MPF) recomendou que o Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago (HU), que atendeu a menina vítima de estupro que teve aborto legal negado pela Justiça, em Santa Catarina, realize o procedimento. A recomendação vale para o caso de a criança, de 11 anos, junto com a representante legal, procurar a unidade e demonstrar interesse em interromper a gestação.
O HU, ligado à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), negou a realização do aborto, que é permitido no Brasil quando a gravidez é resultado de estupro. Ao chegar ao hospital, a vítima já havia completado 22 semanas de gestação, enquanto as normas da unidade permitem a realização do procedimento antes da 20ª semana de gravidez. Por esse motivo, a casa de saúde pediu autorização judicial para realizar o aborto, o que não ocorreu.
A recomendação do MPF, assinada nesta quarta pela promotora Daniele Cardoso Escobar, estende a orientação ao HU, considerado referência no Estado no serviço de interrupção legal da gestação, para que o hospital acolha outros casos de vítimas de estupros e que o atendimento seja realizado “independentemente da idade gestacional e peso fetal, sendo desnecessária qualquer autorização judicial ou comunicação policial”, escreveu a promotora. A legislação brasileira não estipula prazo máximo para que o aborto seja realizado em caso de estupro.
Daniele Cardoso Escobar ainda determinou que o HU se manifeste sobre a orientação do MPF até esta quinta-feira, ao meio-dia. “Excepcionalmente, em razão da urgência que o caso requer, fixo prazo até amanhã, dia 23 de junho, às 12h, para que sejam remetidas a esta Procuradoria da República informações sobre o acatamento desta Recomendação”.
A reportagem procurou o hospital, que não se manifestou até o fechamento da matéria. “Se a Justiça Federal vai interceder nesse processo, é bom esclarecer que, uma vez autorizada a intervenção, essa autorização não vai valer só para esse caso em si. Mas vai valer também para outros casos de aborto legal que aparecerem para terem a gestação interrompida”, declarou a advogada da família, Daniela Félix, ao jornal O Estado de S.Paulo.
“Isso soma e dá eco a uma exigência histórica que os movimentos de cuidado e luta pelo aborto”, acrescentou. Na terça-feira, a desembargadora Cláudia Lambert de Faria autorizou a volta para casa da criança, que permanecia há mais de um mês em um lar de acolhimento em razão de uma medida protetiva, para ficar longe do agressor.
Uma reportagem do The Intercept Brasil revelou, contudo, que a menina também era mantida longe de casa, por decisão da juíza Joana Ribeiro Zimmer, da 1ª Vara Cível de Tijucas, a 50 quilômetros de Florianópolis, para impedir a mãe de submeter a filha a um aborto legal. Diálogos aos quais o site teve acesso mostraram que a magistrada tentou convencer a criança a manter a gestação, mesmo correndo risco de vida. Nessa terça, o portal R7 revelou que a juíza deixou o caso, ainda na semana passada, após ter sido promovida.
No fim da tarde de ontem, a advogada Daniela Félix impetrou um habeas no Tribunal de Justiça de Santa Catarina para que seja determinado o abortamento legal da criança. O pedido ainda aguarda julgamento.