Especialistas dizem que fim do estado de emergência para Covid desestrutura o sistema e é temerário

Epidemiologistas e infectologista ouvidos pelo R7 destacaram que, na última semana, OMS manteve, com base em dados científicos, a classificação de pandemia

Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

O anúncio feito pelo ministro Marcelo Queiroga, na noite do último domingo, sobre o fim de estado de emergência de saúde pública no Brasil para Covid-19 gera preocupação entre os especialistas em infectologia e saúde pública, já que a decisão é vista como uma ação política e não baseada na ciência.

O infectologista Carlos Fortaleza, professor da Faculdade de Medicina de Botucatu, da Unesp, ressalta que o fim da pandemia não pode ser determinado por decreto. “Não se termina a pandemia por decreto, isso é óbvio. É claro que vai haver um momento que as autoridades de saúde vão dizer que não temos mais critérios epidemiológicos para chamar a situação de pandemia. Mas o Brasil fazer isso antes da OMS (Organização Mundial de Saúde) é temerário”, disse o médico, que também é coordenador do estudo da Fiocruz (Fundação Osvaldo Cruz) sobre os impactos da vacinação em massa em Botucatu, no estado de São Paulo. Para ele, há fins políticos na medida.

Na última quarta-feira, o Comitê de Emergência da OMS (órgão formado por cientistas independentes) recomendou não alterar o nível de alerta em relação à Covid, já que o vírus continua em circulação e a evolução é imprevisível. “O governo federal, neste caso representado pelo Ministério da Saúde, insiste no erro de que cabe a eles decidir se o mundo está em pandemia ou não. Se o Brasil está em pandemia ou não. A OMS se reuniu há uma semana e decidiu, com base nas evidências científicas, que ainda estamos em situação de pandemia”, acrescentou Pedro Hallal, epidemiologista da Universidade Federal de Pelotas.

Para a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), situação como a vivida atualmente pela China, com o crescimento de casos, é um alerta para o surgimento de novas variantes. “Estamos acompanhando alguns países, principalmente a China, onde o governo está com muita preocupação em relação a Xangai. E isso coloca o mundo em estado de alerta”, explicou.

Hallal concorda que o cenário é positivo por aqui, mas a emergência continua. “A pandemia até está numa tendência positiva no Brasil, mas está muito longe de dizer que ela acabou. É mais uma forçação de barra sem nenhuma evidência científica.”

O infectologista Carlos Fortaleza entende que a decisão do Ministério da Saúde passa uma mensagem de relaxamento que pode levar a mortes que podem ser evitadas, já que vão acontecer surtos espalhados pelo país. “Boa parte vai ser de casos leves, mas uma ou outra pessoa vai ter de se internar, uma ou outra vai morrer. Eu sei que é um número pequeno, mas cada morte prevenível é importante”, alertou o médico.

A Itália, por exemplo, decretou o fim do estado de emergência no dia 31 de março, mas o uso de máscara em ambientes fechados segue até o dia 30 de abril. O país, que chegou a ser o epicentro da pandemia em 2020, contabiliza mais 90% da população acima dos 12 anos com imunização completa contra a Covid-19.

É necessário um período de transição
Para Carla Domingues, epidemiologista que coordenou o Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde de 2011 a 2019, o anúncio feito sem explicar como vai ser o período de transição só confunde os governos estaduais e municipais.

“Só desestrutura todo o sistema de saúde pública e gera confusão porque os serviços não estão preparados para esse novo olhar. De novo ficamos no vácuo. Fazemos o quê: continuamos fazendo exames, notificamos, quais mecanismos os governos municipais vão usar para pedir leitos de UTI, caso aconteçam os surtos localizados. A doença não está controlada no Brasil e a situação não é a mesma no país inteiro”, enfatizou. De acordo com ela, é direito dos países de decretar o fim da emergência, mas com normatização. “Dessa forma, não dá para entender o que o governo está pensando”, criticou a epidemiologista.

“É preciso também manter uma vigilância funcionando de forma muito planejada para que a gente possa identificar qualquer mudança. Então, as coletas de testes para identificar se há um aumento no número de exames positivos, com vigilância genômica para verificar se há novas variantes surgindo, devem ser mantidas”, adverte Ethel Maciel. “Os serviços não podem ser desmontados, a gente precisa manter um grau de atenção porque ainda estamos em uma pandemia e podemos ter mudanças nos nossos indicadores internos, se alguma nova variante de preocupação surgir”, finaliza a epidemiologista.