Iniciada nacionalmente em janeiro, a campanha de vacinação de crianças entre 5 e 11 anos contra a Covid-19 no Brasil ainda não conseguiu cobrir nem metade do público-alvo estimado pelo Ministério da Saúde, que é de cerca de 20,5 milhões de pessoas.
Dados do Ministério da Saúde atualizados em 5 de março mostram que 9,7 milhões de crianças dessa faixa etária iniciaram o esquema vacinal, o que representa cerca de 47,5% do contingente esperado.
Para efeitos de comparação, nas duas semanas entre 17 e 8 de junho de 2021, foram aplicadas mais de 22 milhões de primeiras doses em adultos, o que demonstra que a capacidade do sistema não é o problema.
Os postos de saúde estão prontos para vacinar, mas a resistência dos pais tem sido o principal desafio, afirma Flávia Bravo, diretora da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações).
“O motivo para isso, na minha opinião, é uma falta de comunicação com a população da importância disso, divulgação de notícias falsas que disseminaram insegurança e falta de preocupação”, diz a médica ao manifesta preocupação com o cenário de baixa cobertura vacinal.
Ela cita como exemplo discursos de que as vacinas não têm dados suficientes que atestem a segurança em crianças, o que é mentira, já que os imunizantes passaram pelo mesmo processo de avaliação das versões para adultos e foram aprovados pelos mais respeitados órgãos reguladores do mundo.
Para Flávia, alguns pais têm “a ideia de que estão protegendo os seus filhos mantendo-os desprotegidos por, teoricamente, acreditarem que as vacinas são novas que podem ser inseguras ou trazer prejuízo no futuro”.
A pediatra Ana Escobar, do Instituto da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), lamenta que não haja mais mobilizações nas campanhas de vacinação.
“Não está tendo campanha pública para levar as crianças para vacinar, precisaria de muito mais informação. Na hora em que a cobertura vacinal cai, as doenças começam aparecer. Só quando as doenças aparecem é que parece que as pessoas correm para o posto para tomar vacina.”
Época de vírus respiratórios aumenta risco
O momento é de alerta para autoridades sanitárias e médicos. Tradicionalmente, outono e inverno são as épocas do ano em que as crianças mais adoecem por infecções respiratórias.
A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) chama atenção em um boletim recente para o aumento de mais de 300% das internações por síndrome respiratória aguda grave justamente entre crianças de 5 a 11 anos, sendo o coronavírus um dos responsáveis por este fenômeno.
“As crianças tendem a ter quadros mais brandos ou assintomáticos [de Covid], mas não são isentas de risco. E existe o risco de um aumento dos registros de síndrome respiratória aguda grave justamente nessa faixa etária. Elas estão adoecendo e mantendo a circulação do vírus. Com isso, a possibilidade de infectar vulneráveis e o surgimento de novas variantes”, alerta a médica SBIm.
Além do coronavírus, circulam com mais intensidade vírus sincicial respiratório, influenza, rinovírus, entre outros patógenos que costumam levar crianças ao pronto-socorro. Cabe ressaltar que a infecção pode se dar por mais de um vírus ao mesmo tempo.
Outro motivo de preocupação é que a Covid-19 em crianças, especialmente após o surgimento da variante Ômicron, pode se apresentar de uma forma “atípica”, segundo a representante da SBIm.
“O que nós temos observado são sintomas como diarreia e dor abdominal, que não são típicos de doenças respiratórias e podem muitas vezes ser confundidos com uma gastroenterite, com uma enterovirose, e na verdade é Covid.”
Por isso, complementa Flávia Bravo, prevenindo doenças para as quais há vacina, fica mais fácil diagnosticar e tratar as outras. Até o fim de 2021, o Brasil havia registrado 324 óbitos por Covid-19 de crianças entre 5 e 11 anos, segundo dados do Ministério da Saúde.
A SIM-P (síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica), condição que surge en algumas crianças após a Covid-19, é outro receio entre os médicos. As mortes provocadas pela SIM-P no Brasil estão acima da média mundial. O Ministério da Saúde havia registrado ao menos 85 óbitos por essa síndrome até o fim do ano passado.
Medidas para estimular vacinação
Ana Escobar ressalta que a baixa cobertura vacinal contra a Covid-19 em crianças é um reflexo do que está ocorrendo com outras vacinas, como a do sarampo.
“Por exemplo, agora vamos começar a vacina da gripe, tem pouquíssima propaganda sobre a importância da vacina da gripe. A cobertura vacinal infantil no Brasil está preocupantemente baixa. Falta propaganda, esclarecimento às pessoas para levar as crianças [aos postos]. As Crianças estão à mercê de doenças que já não ouvimos falar há décadas.”
Um levantamento Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação) que mostra que apenas 37% das cidades brasileiras exigem certificado de vacinação nas escolas infantis. O objetivo nestes casos não é impedir o acesso das crianças as escolas, mas alertar Conselhos Tutelares para que entrem em contato com as famílias. “É uma ação que tem que envolver toda a sociedade”, ressalta Flávia Bravo.