Covid-19: o que falta para as vacinas fazerem parte do calendário anual de imunização

Para médico que integra Câmara Técnica que auxilia o Ministério da Saúde, há incertezas acerca da necessidade de novas doses

Foto: Myke Sena/Ministério da Saúde

Passados mais de dois anos desde o início da vacinação contra a Covid-19 no Brasil, muitas pessoas já receberam e outras estão prestes a receber a quarta dose de um imunizante. Com a doença caminhando para ser reclassificada de pandêmica para endêmica, será que já se pode esperar que a vacina anti-Covid passe a ser anual?

Para o infectologista Renato Kfouri, membro da diretoria da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações) e da Câmara Técnica do PNI (Programa Nacional de Imunizações), uma série de razões ainda impedem que o Ministério da Saúde faça com a vacina anti-Covid o que ocorre com a da gripe, por exemplo.

“Não há clareza ainda em periodicidade e configuração da vacina, também não há clareza na nomenclatura. Hoje a gente chama de terceira dose, quarta dose… porque não se sabe com que frequência vai ter que fazer. Se soubesse, seria fácil, como a gente faz com a gripe.”

O especialista ressalta o fato de não haver, inclusive, um consenso sobre a necessidade de uma quarta dose, que atualmente é recomendada pelo Ministério da Saúde apenas para indivíduos imunossuprimidos. Mesmo assim, o estado de São Paulo anunciou o início da aplicação da quarta dose em idosos acima de 80 anos, o que, segundo Kfouri, não tem respaldo do Câmara Técnica do PNI.

“A gente vem acompanhando no Ministério da Saúde – semanalmente nas nossas reuniões da Câmara Técnica – como é que se comporta o risco de hospitalização em quem recebeu as vacinas. Até agora, não há nenhuma evidência de que há uma perda de proteção para quem tomou três doses. O Ministério da Saúde não entende que este seja o momento de se fazer isso [aplicar quarta dose].”

Além da ausência de informações que sustentem a aplicação de um segundo reforço, será preciso no futuro, se for necessário, estabelecer quais vacinas e quais atualizações integrariam uma imunização anual contra a Covid-19.

A farmacêutica Pfizer, por exemplo, trabalha em uma versão de sua vacina de RNA mensageiro adaptada contra a variante Ômicron do coronavírus. Isto ocorre porque as vacinas em uso atualmente perderam a capacidade de evitar a infecção pela cepa, embora ainda tenham alta taxa de proteção contra hospitalizações e mortes.

Todos os imunizantes foram feitos a partir do vírus original detectado em Wuhan, na China, no fim de 2019. Desde então, cinco variantes com maior capacidade de transmissão surgiram, sendo a Ômicron a mais recente.

Nesta semana, o diretor-executivo da Pfizer, Albert Bourla, admitiu em entrevista à emissora de TV estadunidense CBS que uma quarta dose pode ser necessária.

“Neste momento, do jeito que vimos, é necessária uma quarta dose agora. A proteção que você está recebendo da terceira [dose] é boa o suficiente, na verdade muito boa para hospitalizações e mortes. Não é tão boa contra infecções”, disse o executivo ao programa Face the Nation, no domingo (13).

Na terça-feira (15), a Pfizer entrou com pedido nos órgãos reguladores dos EUA para autorizar a quarta dose em idosos. Na quinta-feira (17), foi a vez da Moderna pedir a liberação de um segundo reforço, mas para todos os adultos.

Estudos conduzidos pelo CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos) mostram a proteção contra internação conferida pelo reforço com vacinas da Pfizer ou da Moderna se manteve em 91% nos dois primeiros meses após a terceira injeção. Porém, caiu para 78% quatro meses depois da aplicação.

A eficácia para evitar casos ambulatoriais sintomáticos foi de 87% para 66% no mesmo intervalo de tempo. O principal assessor da Casa Branca para o enfrentamento à Covid-19, o imunologista Anthony Fauci, manifestou preocupação acerca da perda da imunidade após seis meses, conforme relato que consta na revista Time.

“Não sabemos quando você chega a seis meses, sete meses ou oito meses após a terceira dose, se estes 78% vão cair para 60%, 50% ou 40%. […] Por esta razão, você ouvirá uma séria consideração por dar uma quarta dose aos idosos e àqueles com certas condições de saúde subjacentes. O que podemos estar vendo em um futuro razoável é que os indivíduos apenas com base na idade, e talvez em algumas condições de saúde subjacentes ainda a serem determinadas, recebam um reforço imediato”.

Em São Paulo, os idosos serão justamente o alvo desta primeira fase de aplicação da quarta dose. Mas Kfouri lembra que o governo paulista contrariou uma orientação do Ministério da Saúde e utilizou a também a CoronaVac na terceira dose deste grupo, o que ele classifica como “um equívoco”.

“Quando os dados apontavam claramente que o reforço com Pfizer ou AstraZeneca eram superiores aos reforços com CoronaVac, São Paulo, também contrariando toda a orientação do ministério, a meu ver, fez um equívoco recomendando terceira dose de reforço com CoronaVac. Tem muitos idosos que receberam duas doses de CoronaVac e mais um reforço de CoronaVac, que realmente a resposta é muito ruim [neste grupo etário].”

Na avaliação dele, a possibilidade de receber uma quarta dose de Pfizer, por exemplo, pode aumentar de maneira significativa a proteção dessas pessoas que receberam três doses de de CoronaVac.